No próximo domingo ficarão concluídas as eleições para o novo Parlamento Europeu. Como habitual, os diferentes partidos têm optado por fazer da campanha eleitoral uma feira de personalidades, palavras e propostas, tanto ou mais no plano nacional do que no plano europeu. É, nesse sentido, uma oportunidade perdida para se discutirem realmente propostas para o projeto europeu.
A exceção é o já característico chavão de que “estas eleições são as mais importantes de sempre”. Assim é e assim será enquanto a onda da extrema-direita estiver em crescimento e as alterações climáticas continuarem a acentuar-se. Ou seja, previsivelmente, daqui para a frente só para trás. A ideia dos senhores e senhoras políticos com esta expressão é a de aumentar o medo e, assim, a perceção de importância destas eleições para o eleitor médio, obtendo um ganho na sua mobilização eleitoral. É uma estratégia válida e verdadeira mas insuficiente. É necessário cativar os eleitores com uma visão positiva da Europa – um sonho – que possa constituir uma nova fonte de esperança e vinculação dos cidadãos à ideia da Europa.
Se Jean Monnet nos dizia que a Europa seria forjada em crises e a soma das soluções adotadas para essas mesmas crises, Eduardo Lourenço soube descrever-nos como uma espécie de “continente-Penélope” constantemente a tropeçar em si mesmo. Assim foi nas crises respetivamente financeiras e sanitárias de 2011 e 2020. Na primeira crise, (justamente até às declarações de Draghi de que “faria o que fosse necessário”), a inação acabou por custar caro a Portugal, Grécia e Irlanda, que tiveram de implementar severos programas de austeridade. Quando veio a crise da Covid, já a Europa tinha uma outra perspetiva sobre o financiamento comum (que depois originou os PRR) ou a necessidade de políticas orçamentais contracíclicas. A Europa aprendeu de uma crise para a outra, a grande custo para os cidadãos. O que não percebeu foi a oportunidade perdida entre crises para acelerar o crescimento económico, projetar influência geopolítica e cumprir com a promessa de uma vida melhor na UE do que fora dela. Não obstante o Plano Juncker, direcionado para a aceleração do investimento público, a Europa estagnou política e economicamente nesse período, sobretudo comparado com a China ou mesmo os Estados Unidos. Desde as novas tecnologias ao setor automóvel, a Europa é, cada vez mais e no melhor dos casos, um produtor para outros e, no pior dos casos, um grande consumidor.
É importante que se diga – não tem de ser assim. A Europa pode, não só responder, como também antecipar crises. Devemos, sobretudo, projetar uma ideia do que a Europa é ou pode ser, dando sentido a essa identidade e construção política, tão natural para a nossa geração e tão presente nas nossas vidas mas, ao mesmo tempo, tão distante das nossas preocupações quotidianas ou do nosso sentimento de autonomia cívica. Hoje os portugueses sentem-se europeus, com uma das mais elevadas taxas de apoio à Europa, mas ainda não existem como cidadãos no espaço público europeu.
Se a Europa começou como um projeto de cooperação comercial como forma de semear a paz entre povos, o seu sonho tornou-se rapidamente o de crescimento económico, através da consagração do Mercado Único e da Política de Coesão. Esses avanços permitiram-nos a liberdade de circulação de pessoas e bens, bem como uma outra liberdade financeira para investir em escolas, estradas e hospitais. Todavia, como dizia Jacques Delors, ninguém se apaixona pelo mercado único e, 40 anos depois de este ter criado a política de coesão, a divergência económica entre os 15 estados-membros originais acentuaram-se.
Se queremos que a Europa sobreviva, ela precisa de se tornar tangível na vida das pessoas. Essa expressão material terá de ser multifacetada, desde a habitação à igualdade à sustentabilidade, sem esquecermos o Pilar Social e a convergência económica. Precisamos de somar valores e direitos à Europa dos mercados e das nações, fazendo deste projeto não um espaço neutro de troca de bens e serviços mas uma comunidade política que pretende cultivar civilização e afirmar-se, mais uma vez, na dianteira dos problemas mundiais.
Este novo sonho europeu exigirá novas competências para acabar com os estágios não-remunerados, equiparar os cuidados de saúde mental aos cuidados de saúde física e criar uma garantia europeia do direito à habitação. Depois das diretivas do salário mínimo europeu e dos direitos dos trabalhadores nas plataformas digitais, está na hora de afirmar um direito a desligar europeu que nos proteja da fadiga digital e da exploração de nós por nós próprios, através da dilatação dos horários de trabalho. Esta utopia precisa também de financiamento permanente, com uma nova geração de PRRs, para acelerar não só o investimento público mas, sobretudo, o investimento privado nas transições climática e digital, retomando lideranças industriais e aproveitando o melhor que cada região e cada povo tem para oferecer à economia europeia.
Nestas eleições, não podemos deixar que apenas o medo comande a narrativa. Afinal de contas, como nos dizia António Gedeão, é o sonho que comanda a vida. As eleições para o Parlamento Europeu não podem apenas servir como mecanismo para evitar perdas e ameaças, sejam elas a guerra na Ucrânia ou a ameaça da extrema-direita ou outras. Temos de fazer política pela positiva e a Europa tem de trazer esperança para a vida das pessoas, na sua capacidade de ter mais controlo sobre as suas vidas e de serem capazes de viver melhor. O sonho que aqui traçámos é o meu contributo para que assim seja.
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