Antes da Revolução de Abril, o acesso ao ensino superior estava reservado a uma pequena parte da sociedade portuguesa, a uma elite. Estava, assim, em grande parte vedado ao povo e aos trabalhadores. O 25 de Abril e a Constituição de 76 vieram abrir as portas à educação e cultura às classes trabalhadoras, e o ensino superior não foi exceção. A Constituição passou então a consagrar a responsabilidade do Estado sobre a educação, devendo este assegurar medidas que permitam o acesso (e a permanência!) a todos no ensino superior.
Quase 50 anos depois da revolução e a Constituição continua ainda por cumprir. Apesar de o quadro já não ser igual aquele que caracterizava o ensino superior antes de 1974, este ainda é predominantemente frequentado por estudantes oriundos de famílias com mais recursos. E assim o é graças aos entraves que se erguem hoje perante os estudantes diferenciados em função da sua situação socioeconómica ou proveniência de classe. Um desses entraves com que os estudantes se deparam ano após ano, é o alojamento estudantil.
Em 2019, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior prometeu a disponibilização de mais de 12 mil camas em todo o país até 2022, dentro do quadro de execução do Plano Nacional Para o Alojamento no Ensino Superior. Passaram-se entretanto quatro anos desde a dita promessa e as tais 12.000 camas, nem vê-las. Numa altura em que a situação sócio-económica do país se agrava, em que o custo de vida aumenta progressivamente, e onde a oferta de alojamento privado (para além dos preços exorbitantes que são praticados) não chega para cobrir mais de 10% dos estudantes deslocados, a inação do Governo é inaceitável.
O PCP realça a importância do cumprimento do PNAES. O Secretário-Geral Paulo Raimundo sublinhou aos jornalistas que a promessa de converter as antigas instalações do Ministério da Educação numa residência ainda está longe de se verificar. A atual ministra do ensino superior vem então, como resposta, garantir que em 2026 (mais três anos de espera), os estudantes já poderão contar com mais 15.000 camas, sendo que a informação dada pelo MCTES é que já estarão disponíveis até ao final do ano mais 1.100 camas. Contudo, este número está longe de satisfazer as necessidades dos estudantes deslocados. Em 2019, pediram-nos para esperarmos três anos, agora pedem para esperarmos mais três, e entretanto durante estes seis anos milhares e milhares de estudantes viram-se e ver-se-ão deparados com inúmeras dificuldades para permanecer no ensino superior, para terem onde viver.
O MCTES afirma também, face à “impossibilidade” de ter mais camas neste ano letivo (dir-se-ia melhor como “falta de vontade”), que o governo irá reforçar o valor das bolsas aos estudantes bolseiros que não tenham direito a lugar na residência. Colocam-se alguns problemas quanto a esta medida. A primeira questão, é que a maioria dos estudantes deslocados não têm direito a bolsa, mesmo que necessitem da mesma, porque a verdade é que os critérios para a receber são altamente restritos (e completamente desligados da atual situação socioeconómica da maioria das famílias), portanto, pergunta-se: os estudantes deslocados que não sejam bolseiros são deixados aos preços praticados pelo privado? Sem qualquer tipo de apoio ou alternativa pública?
Por outro lado, quanto aos estudantes que efetivamente têm direito à bolsa, esta medida também coloca problemas. Primeiro, raramente ela vem em valores que cheguem para cobrir as despesas que a frequência no ensino superior acarreta (livros, alimentação, transportes), sendo o valor muitas vezes apenas o suficiente para cobrir a propina e pouco mais. O aumento que o MCTES promete aos estudantes bolseiros continua a não resolver o problema da falta de alojamento nesta fase “temporária” em que as residências novas se encontram em construção, já que o valor aumentado não chega, ainda assim, para pagar o preço dos quartos em cidades como Lisboa e Porto (onde são quase sempre ultrapassados os 400€), ou em Braga onde os preço dos quartos começam a alcançar os 350€ (e as residências privadas 620€), e enquanto o custo de vida aumenta exponencialmente.
Urge então a necessidade de cumprir o PNAES, que nunca teve o financiamento adequado para ser aplicado. A verba de 375 milhões de euros para recuperar e construir residências estudantis, apesar de importante, não responde às necessidades de hoje. O PCP e a JCP reforçam a importância do aumento do aumento do valor do complemento de alojamento, quer para bolseiros com cama em residência de estudantes, como aqueles que não obtiveram lugar em residência. O PCP propõe ainda que os estudantes possam provar o encargo com o alojamento por outros meios que não o recibo de modo a terem direito ao complemento de alojamento, assim como o alargamento destes apoios a todos os estudantes deslocados, através de abertura de um período para apresentação de requerimento, por parte do estudante. Para um ensino superior público, universal e gratuito!
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