O Governo enrolou-se numa corda que o próprio teceu: não fez o trabalho de casa e agora não sabe como resolver o problema da falta de casas.
António Costa convocou a imprensa para apresentar um lote de medidas sobre habitação. Fê-lo com pompa, como é seu hábito. As ideias avançadas pretendiam ser a resposta do Governo a dois dos mais visíveis problemas do país: o elevado valor das rendas e a falta de casas no lado da oferta.
Porém, a apresentação das medidas foi atabalhoada e não assentou num projeto fechado. “Não são medidas finais – disse o Governo – são ideias que vão estar em consulta pública até ao Conselho de Ministros de 16 de março”. Ora, dois problemas nasceram imediatamente. O primeiro é precisamente não haver medidas finais – pois isso inviabiliza uma verdadeira consulta pública; o segundo é o pânico gerado pelo pouco que se sabe genericamente – pois no anúncio feito ficou patente a forma como o Governo olha para o mercado e para os direitos dos portugueses.
Analisando o pouco que se sabe sobre as ideias do Governo, não tenho dúvidas ao reputar este “pacote” de violento, imoral e de legalidade, no mínimo, duvidosa. É fruto de uma abordagem obtusa ao mercado de arrendamento e apenas disso, de uma interpretação ideológica e preconceituosa, já que os estudos que suportam as medidas ou não existem ou não estão concluídos. Qual é o público-alvo das medidas? Quantas pessoas serão beneficiadas? Quais os prazos de implementação? Não sei. Nem eu, nem o Governo.
A proposta é violenta pois confunde “incentivos” com ameaças. Não se incentiva o parque habitacional através do medo da posse administrativa de bens. O Governo quer senhorios à força, mas o incentivo não deve ser abrupto. Deve basear-se em fiscalidade vantajosa, menos burocracia para construir, salvaguardando as boas práticas urbanísticas, e mais direitos para os proprietários com rendas em atraso.
É imoral pelo desnível de consequências entre quem adira e não adira a este plano. Por exemplo, dá-se uma borla fiscal até 2030 a quem converta o alojamento local para arrendamento habitacional; porém, os proprietários que mantêm o arrendamento ou entram no mercado sofrem uma redução somente de 3% na sua taxa de IRS.
E é de legalidade altamente duvidosa, porque atenta contra o direito de propriedade. O Estado tem de abandonar a ideia de que o património dos outros serve para fazer caridade, enquanto o seu permanece estático e inutilizado. É o Estado que deve apoiar quem precisa, sem abusar dos direitos legitimamente adquiridos pelos cidadãos. Os senhorios foram postos a fazer o trabalho social do Estado e o resultado está à vista: fraca adesão aos sucessivos programas de estímulo ao mercado de arrendamento.
Por outro lado, a proposta do Governo revela uma visão pouco lúcida do mercado. Num dos exemplos mais claros, o Governo reconhece subrepticiamente que há em Portugal um problema de lentidão da justiça, sobretudo para casos de falta de cumprimento de rendas, lesando os senhorios. Contudo, não se dispõe a melhorar nem a justiça, nem a legislação, mas a pagar a estes “senhorios forçados” as dívidas dos arrendatários faltosos. Ou seja, pagamos todos.
Para as novas gerações, o pior destas propostas é o silêncio sobre a primeira habitação, sendo claro que com o PS a emancipação continuará adiada.
Tal como também nada se diz sobre nenhum dos impostos, taxas, licenças e emolumentos com que o Estado enche os cofres, diminuindo a vontade dos proprietários e a rapidez dos processos.
É, cada vez mais, claro que o Governo tem estado a brincar com todos os portugueses. Dá falsas esperanças a quem não tem casa (que fica a pensar que estas medidas são exequíveis, quando na verdade não o são) e assusta desnecessariamente os proprietários.
Felizmente, nem tudo é mau e o Governo manifestou vontade de seguir por um caminho já proposto pela Juventude Popular: a disponibilização de imóveis do Estado para arrendamento. Contudo, não se consegue perceber o alcance desta medida, porque o Governo se tem mostrado incapaz de inventariar o património público. Diz que já o fez, mas não apresenta resultados. Neste campo, o mínimo exigível é que o Governo faça uma gestão eficiente do seu património. Não só os imóveis públicos desocupados podem ser lançados no mercado habitacional, como convertido para a mesma finalidade.
O Estado não pode pedir esforços aos portugueses sem antes integrar o seu património vago no parque habitacional. É progressivamente evidente que quase ninguém defende este Power-point do Governo. Nitidamente, António Costa não fez o trabalho para Casas.
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