A 23 de julho de 2020, sete deputados do PSD entenderam que não fazia sentido algum reduzir o número de debates com o Primeiro-Ministro na Assembleia da República. Margarida Balseiro Lopes, Álvaro Almeida, Emídio Guerreiro, Pedro Pinto, Pedro Rodrigues, Rui Silva e eu próprio votámos contra a vontade da então direção política do partido. No lado socialista, 28 parlamentares seguiram o mesmo caminho e votaram contra.
A maioria PS/PSD levou a sua adiante e alterou o regimento da Assembleia da República, acabando com os debates quinzenais, substituindo-os por um modelo de debates mensais com o Governo (em que o Primeiro-Ministro só responde sobre política geral de dois em dois meses). Não foi fácil votar contra a direção de então do Grupo Parlamentar e contra a direção política do partido. Nunca é fácil quando votamos contra os nossos.
Na altura, escrevi uma curta declaração após a conversa privada com o Presidente do Partido, na qual fundamentei a minha posição e solicitei o levantamento da disciplina de voto: “Informei hoje o presidente do Grupo Parlamentar do PSD que votarei contra o fim dos debates quinzenais. Acredito firmemente que menos debate é menos escrutínio. Menos debate é menos política. Menos debate é menos democracia. O meu voto é um ato refletido e de consciência“.
Fi-lo também a pensar no meu partido, por entender então que, defender os debates quinzenais com o Primeiro-Ministro, era defender o legado histórico do PPD/PSD enquanto um dos maiores partidos políticos portugueses e desde 1975, invariavelmente o maior ou segundo maior grupo parlamentar na Assembleia da República. Um partido comprometido com a democracia parlamentar, com o sistema representativo e com os valores que devem nortear um Estado de Direito liberal: o escrutínio da atividade governativa, o exercício do direito de oposição e o debate regular e aberto entre poder e alternativa.
Apesar de existirem críticas justas que são feitas ao Parlamento e à atividade parlamentar que fazem sentido, nomeadamente quando o mesmo não se dá ao respeito, acredito que devemos procurar refrear o sentimento populista anti-parlamentar que grassa na nossa sociedade desde o século XIX e o problemático parlamentarismo da Monarquia Constitucional. Criticar por criticar é fácil para ter palmas, mas não faz nada bem à Democracia, antes, só ajuda ao seu enfraquecimento e é um bálsamo para os seus adversários e inimigos.
Ora, serem os próprios parlamentares a embarcar nas teses de que os debates com o Primeiro-Ministro são apenas espetáculos de gritaria ou momentos em que ninguém trabalha foi, aquando da discussão em 2020, algo que nunca compreendi porque a estas conceções está associado um profundo azedume nada democrático, anti-Parlamento e anti-Partidos. Ou seja, anti-Democracia. Mais, o que foi feito em 2020 consubstanciou uma ação em que foram os próprios parlamentares a desvalorizarem o seu próprio trabalho e a função democrática.
É certo que a tradição parlamentar portuguesa não é longa, e que não raras vezes, foi marcada por turbulência e caos. Mas num país europeu do século XXI, reduzir o escrutínio que é feito ao Governo, confrontando o Primeiro-Ministro sobre o estado do país e sobre os atos governativos, é manifestamente negativo. É hoje consensual no PSD que foi um dos maiores erros políticos dos últimos esta regressão na qualidade da democracia.
É claro que, oportunisticamente, o Partido Socialista se aproveitou deste erro oferecido pelo PSD e ajudou a materializar uma fragilização da democracia parlamentar. Hoje, o PS colhe os frutos do Primeiro-Ministro ir menos vezes ao Parlamento ser confrontado pelos Deputados.
Mas hoje também há sinais de esperança com o já anunciado diploma do PSD para o regresso aos debates quinzenais. Até chegarmos aqui, o PS afirmou várias vezes que estava disponível para emendar a mão e voltar a instituir mais debates com o Primeiro-Ministro. Agora, com o diploma do PSD, o PS não se compromete, num jogo de espelhos e cinismo, o que revela bem a sua pouca preocupação com a qualidade da democracia e com o escrutínio da sua maioria.
A questão é simples: estará o PS ao lado do fortalecimento da democracia parlamentar ou estará apenas concentrado em ampliar o seu poder político, erodindo o escrutínio e diminuindo a democracia?
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