Há 12 anos, o Qatar foi escolhido para realizar o Mundial de Futebol de 2022, que agora começou. Há 12 anos, ninguém questionou o poder absoluto da casa Al Thani, que alberga golpes de Estado de filhos contra pais, nem as violações humanas cometidas contra os migrantes, as mulheres, e os homossexuais. Há 12 anos, na gala que escolheu o vencedor, nenhuma federação de futebol, ou a FIFA, ou um Governo, abriu a boca sobre o modelo desumano e arbitrário que apenas 350 mil catarianos aplicam e exercem sobre os 3 milhões de trabalhadores que fazem o país funcionar. Todos olharam para o lado, e fingiram desconhecer.
Agora, com 32 países representados pelas suas seleções nacionais de futebol, avolumam-se os gritos hipócritas contra a barbárie do Qatar. Que lata. Que sonsice. Que dissimulação. Isto sim, envergonha-nos a todos. O Qatar de 2010 é igualzinho ao de 2022. Alguém se levantou contra a escolha? Alguém anunciou que não iria participar? Alguém desencadeou um tumulto no futebol mundial?
A verdade, cruel, é que o Qatar até abriu as portas a mais trabalhadores-escravos não qualificados da Índia, Nepal, Paquistão, e de outros países, para contruir os oito estádios, um novo aeroporto, uma linha de metro, e várias infraestruturas, que custaram 200 biliões de dólares, um pouco menos do que o nosso PIB nacional. Será que em 12 anos não existiu uma única oportunidade, de países, organizações e Governos, para exigir ao todo-poderoso Emir, e à família, que respeitasse as regras básicas dos direitos humanos? Esqueceram-se, pois.
A escolha do Qatar envolveu muitos milhões, certamente, mas todos os países que estão na final, e os que não conseguiram, não podem criticar a farsa que eles próprios construíram. O regime despótico catariano, violador dos mais fundamentais direitos humanos, foi bajulado, incensado e abençoado por dezenas de Nações democráticas e justas, que agora tentam lavar as mãos dessa trapalhada. Há mais liberdade e respeito no Qatar do que no Irão? A duplicidade é sempre um jogo perigoso, e revela uma suprema hipocrisia entre Estados.