Crescem, na comunidade científica, as vozes que denegam o perigo da Ómicron. Já não chegavam os negacionistas, mais as estratégias políticas, a que se acrescenta a instabilidade na economia, para, agora, aparecer quem diga, defenda, e aposte, na teoria, extraordinária, louca, insensata, de se deixar que a imunidade natural dos contagiados seja a verdadeira vacina para esta variante. Isto sim, é o negacionismo mais perigoso de todos, porque vem dos especialistas. Ou de alguns especialistas.
Só dá para chorar. Ou rir. Em 48 horas, apenas, Portugal teve quase 60 mil contagiados, e vai subir muito mais, foram internadas mais 100 pessoas, ultrapassando já os 1000 hospitalizados, estão em UCI 144, menos 8 nestes dois dias – será que ainda não se percebeu que a descida em UCI não é propriamente um sinal muito animador? Descem porque morrem, uma parte! – e mais 28 mortes, a juntar aos quase 19 mil. Conviria acautelar que dos 60 mil contagiados das últimas 48 horas, muitos, muitos mesmo (basta aplicar os rácios atuais) ainda vão parar aos hospitais, às UCI, e à lista de mortes. E falta o que aí vem.
A isto acrescente-se o caos dos hospitais e, naturalmente, a elevada taxa de contagiados entre os profissionais de saúde. O único dado positivo, mas que não pode ser usado pelos novos negacionistas, ou pelos que já deitaram a toalha ao chão, é que tudo seria catastrófico se não fosse a vacina. Pois, nem mais. E é com isso, com as vacinas, que alguns desejariam acabar. Com reforços, quartas ou quintas doses, ou as novas vacinas, previstas para a Primavera de 2022. Nada disso, profetizam: contagiem-se, deixem-se de medidas cautelares, e a imunidade grupal chegará. Onde é que já ouvimos isto? E quando? E qual foi o resultado?
Se isto não é a teoria do eugenismo, então tem muitas semelhanças. Só ficam os novos, fortes e saudáveis. A Ómicron faz a seleção natural. Não é uma decisão humana, é uma escolha do vírus. Para que ninguém fique com a consciência pesada. A fonte deste iluminismo assenta num pressuposto completamente idiota: a Ómicron contagia muito rapidamente, muito mais do que a Delta, mas é menos perigosa! Quem disse isso? Quem comprovou isso? Quem concluiu isso?
É tudo ao contrário: a Ómicron tem uma progressão dezenas de vezes mais rápida do que a Delta, e só não tem as mesmas consequências porque a população está vacinada. Não porque a vacina impeça o contágio, mas porque atenua os sintomas, funcionando, na verdade, como um medicamento preventivo. Se não existisse, este final de 2021, e início de 2022, seria um terramoto de escala 9. E para acabar, de vez, com a tese da imunidade natural de grupo, é bom saber-se que há pessoas que já estiveram contagiadas, e agora levam com uma nova dose da Ómicron. Tenham juízo.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.