A cada dia que passa o mundo torna-se mais pequeno e mais perigoso.
Os acontecimentos, mesmo quando têm origem do outro lado do globo, acabam por repercutir-se um pouco por todo o lado, com consequências mais ou menos imprevisíveis.
Da perigosidade do momento que vivemos nada há a dizer porquanto, por mais otimista ou menos informado que sejamos não podemos negar a evidência.
Há muitos anos numa aula, um velho e, até por isso, sábio professor dizia-nos a propósito dum comentário sobre a guerra nuclear que nenhuma arma é fabricada para não ser usada.
Não quero com isto dizer que estejamos à beira dum holocausto ou mesmo duma guerra regional com caráter nuclear.
Mas não nos iludamos com a aparente limitação local dos conflitos a que estamos a assistir.
A guerra, já o afirmei e reforço, é o maior negócio da atualidade, que tem a particularidade de não se esgotar quando se calam as armas, nem se cingir à indústria do armamento. A reconstrução dos locais afetados pelos conflitos tem um potencial de retorno tanto ou maior que a venda de armas e munições. E arrasta-se por anos.
Razões porque, em bom rigor e muito embora se afirme publicamente o contrário, são poucos os influentes governamentais, internacionais e económicos que querem, de facto, acabar com estas e outras guerras. Elas são boas para a economia, fazem florescer países, aumentam e alimentam fortunas.
A guerra no fundo só é terrível para os que a sofrem e esses, para além de meia dúzia de depoimentos em blocos noticiosos, não têm voz, não contam.
Tanto o conflito entre a Rússia e a Ucrânia como o conflito que envolve Israel, são já conflitos regionais e que ameaçam expandir.
No Médio Oriente, a situação não deixa muitas dúvidas quanto à dimensão que tomará. Na Ucrânia, muito embora devido à proximidade nos seja mais difícil de admitir, também não se irá circunscrever ao território agora em armas. Há uma clara intensão de Putin, de resto expressa há muitos anos pelo próprio, em reaver os territórios da antiga URSS.
Seja qual for a dimensão, a dolorosa experiência demonstra-nos, sem sombra de dúvida, que as primeiras vitimas de qualquer guerra são as mulheres e as crianças.
O Novo Pacto terá como resultado o aparecimento de campos de refugiados mais ou menos improvisados às portas da Europa, com a consequente indignação pública e o aumento de discursos e políticas de nacionalismos exacerbados
Esta realidade tem um lado ainda mais perverso já que as consequências dessas agressões perduram por anos, por vezes mesmo por gerações.
A violação como arma de guerra ou a utilização de órfãos como meninos soldados começa a ser uma prática quase banal. Isto diz muito do carácter cada vez mais desumano das guerras atuais que apelidamos de limpas, devido ao uso de tecnologias tais que acabam por criar a errónea ideia da não existência de envolvimento humano no conflito.
O recurso a drones ou à Inteligência Artificial faz crescer um sentimento de desresponsabilização que apenas tem como consequência o aumento da conflitualidade.
Resultado de todos estes conflitos são as vagas de população deslocada, seja internamente, seja para o exterior dos territórios em guerra.
Se bem que os primeiros destinos sejam os países limítrofes, devido à instabilidade que esses também acabam por sofrer, as populações arriscam percursos mais longos e a Europa é, sem sombra de dúvida, o destino mais óbvio.
A semana passada a União Europeia aprovou o Novo Pacto para a Migração e Asilo após anos de negociações entre os Estados-membros que resultaram num claro impasse.
No que diz respeito ao asilo, cujo aumento de requerentes tem sido exponencial e em linha com o aumento da conflitualidade mundial, esta nova lei assenta na agilização da análise do perfil de refugiado, reduzindo ao máximo o tempo de resposta.
Aparentemente esta seria uma política ajustada e desejada. Mas, mais uma vez por não estar enquadrada noutras medidas adicionais como cooperação com os países de origem, diplomacia para a paz com a abertura de corredores humanitários geridos a montante, ou alojamento e proteção à chegada, torna-se uma verdadeira condenação destas pessoas que a única coisa que pretendem é fugir à guerra e à fome.
Guerra e fome em grande parte criada e fomentada pelos países que discutem hoje o seu destino, numa perversidade humana e histórica que nos devia envergonhar.
O Novo Pacto terá como resultado o aparecimento de campos de refugiados mais ou menos improvisados às portas da Europa, com a consequente indignação pública e o aumento de discursos e políticas de nacionalismos exacerbados.
Mas, se tudo isto não bastasse, esta nova visão da mobilidade forçada e sua resposta, vai comprometer a segurança por gerações porquanto deixa os jovens e as crianças numa situação de desamparo, fragilidade e perigosidade nunca antes vista.
Prender (ou de forma politicamente correta, deter, reter) crianças e deportá-las é o mais hediondo dos crimes. Mandá-las de volta aos seus países de origem é passar-lhes uma senteça de morte.
Em situação de fuga por conflito aberto ou até mesmo latente, muitas são as crianças e jovens que acabam separadas das suas famílias ao longo do percurso, seja por morte dos adultos responsáveis, seja porque se perdem dos mesmos. Outras são enviadas sozinhas pelos próprios pais numa tentativa de os proteger. Muitas vezes entregam-nos a irmãos mais velhos, estes também menores.
Durante a guerra dos Balcãs, que fazemos de conta que nunca aconteceu, os filhos dum general albanês ao serviço do exército da “antiga Jugoslávia de Tito”, foram mandados sozinhos para fora da cidade . Ela tinha 17 anos e ele 15. Conseguiram chegar à Alemanha onde estiveram durante alguns anos. Passaram por campos de refugiados, sobreviveram à fome e às agressões e… regressaram após o conflito. Uma história com final feliz no meio de milhares que acabaram em tragédia. Já adulta, esta menina é hoje uma alta funcionária numa instituição humanitária internacional. Com este Novo Pacto em vigor não me parece que o final fosse o mesmo.
Perante o cenário mundial, histórias como estas de jovens, crianças não acompanhadas a chegarem às portas da Europa serão às dezenas para não dizer centenas. A resposta será prisão e deportação? Se assim for o que este Pacto está a fazer nesta circunstância específica é a fomentar as redes de tráfico de menores, com o recurso à falsificação de documentos.
Infelizmente no que concerne à mobilidade das populações e ao direito de todos à proteção e a um futuro condigno, continuamos a navegar à vista na onda do politicamente correto.
Ainda não nos capacitámos que o mundo mudou e são precisas decisões e práticas inovadoras. Mas para isso são precisos líderes no verdadeiro sentido da palavra, pessoas de coragem. Onde encontrá-los?
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.