Todos os inícios são lentos, penosos e, por vezes, dolorosos.
Quando esses inícios partem de algo já existente, a entropia tende a agravar-se e apenas com o envolvimento, o empenhamento, trabalho e a boa vontade de todos, é possível levar-se a cabo os objetivos traçados.
A Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) conta apenas oito dias de existência.
Tem origem na maior alteração das políticas migratórias e procedimentais que alguma vez foi levada a cabo em Portugal.
Herda da instituição anterior quase 4 mil processos, só de Manifestações de Interesse. Acrescem a estas ainda os processos de reagrupamento e outras tipologias de concessões de Autorizações de Residência.
A política anteriormente seguida apostou sobretudo no reforço da formação na área policial com cinco novos concursos nos últimos anos, à média de um por ano. E se esta formação é de facto hoje de extrema importância porquanto os quadros que reforçarão as demais forças de segurança são de qualidade ímpar, na questão da legalização através da atribuição de documentos, esse reforço não se fez sentir. Nos últimos anos não houve investimento significativo em formação na área documental, pese embora tenham sido realizados alguns concursos, insuficientes para colmatar as saídas de profissionais por mobilidade ou por aposentação.
A AIMA nasce assim com um “lastro” muito pesado e numa conjuntura favorável à desinformação e à demagogia, baseada no medo criado pelas convulsões mundiais.
Contrariamente ao que se pretende dar a entender, o País não ficará de “portas escancaradas” à mercê das ameaças externas. O controlo de fronteiras, quer aeroportuárias, quer de forma casuística, como se impõe face à existência dum espaço europeu de livre circulação, terrestre, conta agora com um reforço de efetivos das forças de segurança.
A prestimosa colaboração dos inspetores do extinto SEF que têm, desde há meses, estado a partilhar o seu know how, garante uma ação efetiva e adequada no controle de entradas no nosso País.
Há muito que várias eram as vozes a solicitar a separação da área documental da fiscalização e controle. Ser imigrante, ser refugiado, não é crime! Não o foi para os nossos concidadãos nos idos dos anos 60 do último século. Não o é para ninguém
A grande questão que, eventualmente, poderia colocar em causa a segurança encontra-se, desde sempre, ligada à situação irregular de milhares de imigrantes, com a consequente falta de integração.
O problema documental, tal como há muito vinha sendo referido, é um obstáculo a uma vida digna a todos os níveis, desde o laboral até ao acesso a habitação, passando pela integração dos menores na escola e pela aprendizagem de português pelos adultos.
Um imigrante indocumentado é presa fácil para as redes de tráfico, sendo que este crime não acontece apenas no movimento entre países mas também dentro do país de acolhimento, como ficou tristemente demonstrado em Odemira. As falsas promessas de contratos de trabalho encontram terreno fértil em pessoas que não dominam a língua, que não estão em situação regular, que temem ser remetidas aos seus países de origem, que estão sós, sem rede familiar, que estão fragilizados a todos os níveis.
A falta de documentação é o maior perigo para qualquer sistema de migração.
Acarreta consigo situações que envolvem perigos tão latos como o de saúde pública e salubridade, uma vez que estas pessoas não se dirigem a nenhum serviço médico por receio e sujeitam-se a condições de vida degradantes, vivendo, como foi denunciado, em lugares sem o mínimo exigível para albergar o ser humano.
A situação de irregularidade propicia a corrupção e o mercado negro da documentação fraudulenta. Remete esta população para situações de guetização onde a partilha de valores não existe, a aculturação não se faz e onde se mantêm práticas muitas vezes contrárias ou atentórias dos direitos humanos.
Como podemos querer que alguém que deixou toda a sua família num país sem futuro, que, eventualmente até entrou de forma legal em Portugal, através dum visto de residência, mas que paradoxalmente ainda não conseguiu regularizar a situação, que está há anos sem ver mulheres e filhos, ou pais, a ser explorado pela entidade patronal, que usa a sua fragilidade e o facto de estar “anónimo” para o obrigar a sujeitar-se às condições que impõe, como queremos que esta pessoa faça um dia orgulhosamente parte deste país?
Olhemos e aprendamos com os exemplos dos nossos vizinhos europeus, que durante anos não deram a devida atenção aos processos de integração e se veem agora a braços com uma população revoltada e facilmente radicalizada.
Foi essa tomada de consciência que levou à elaboração do Pacto das Nações Unidas para a Imigração e ao Novo Pacto Europeu para a Migração e Asilo onde a tónica é colocada na integração e na aculturação dos que aqui chegam.
Portugal ratificou estes dois documentos. Não poderia, pois, deixar de fazer as alterações correspondentes na orgânica do Estado.
Há muito que várias eram as vozes a solicitar a separação da área documental da fiscalização e controle. Ser imigrante, ser refugiado, não é crime! Não o foi para os nossos concidadãos nos idos dos anos 60 do último século. Não o é para ninguém.
Esta é a verdade incontestável que esteve sempre na origem de quem pedia esta separação.
E ela aconteceu!
Se podia ter sido feito de outra forma? Como tudo na vida, efetivamente podia. Mas não foi.
A decisão tomada foi a que agora se inicia. Com dificuldades, com entraves, por vezes com alguma entropia não inocente, mas é um caminho inexorável! O caminho é em frente sem tibiezas, mas também com a segurança do que se pretende seja um projeto bem-sucedido.
Ora isso não se consegue em oito dias, nem em oito semanas. Possivelmente em oito meses com trabalho árduo e objetivos firmes.
Não, Roma e Pavia não se fizeram num dia.
Para os que teimosamente esperam e ateiam incêndios, com “sound bites” alarmistas, resta dizer que ao contrário destas duas cidades, a AIMA não arderá. E muito menos numa noite.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.