Pelo menos é a sensação que dá.
Com a chegada do grande período das férias começamos a acusar o cansaço dum conflito para o qual não vemos solução e que, por isso mesmo, perde interesse.
Naturalmente que ainda se fazem destaques e grandes títulos com os diversos ataques, mas já vão ficando cada vez mais longe os tempos dos inúmeros comentadores, especialistas bélicos, reportagens especiais e visitas “turísticas” aos cenários de guerra. O tempo agora é de praia, sol e bolas de Berlim. Depois, mais lá para o fim do ano, se verá.
Exageros e ironias à parte, é um pouco esta a forma como nós europeus e ocidentais, olhamos o quotidiano. Nem mesmo a classe política, na sua generalidade, tem essa capacidade de projetar uma estratégia a longo prazo.
Mas o mesmo não acontece a Oriente, onde tudo é perene e novo ao mesmo tempo, com uma visão alargada a décadas de distância.
Não é por acaso que os grandes jogadores de xadrez são oriundos do Leste. A sua capacidade de atuar em múltiplos cenários, transvasa os tabuleiros quadriculados e estende-se à vida e à política.
Se a guerra não se estendeu para o resto da Europa, evitando hipocritamente que se denomine de “mundial”, ela ultrapassou as barreiras continentais e espalhou-se pelos países mais pobres, dependentes e com sistemas altamente corruptíveis
Muito focados ou direcionados para o que se tem vindo a passar na Ucrânia, quase nos passam despercebidas as manobras estratégicas, económicas e militares que estão a ter lugar em África.
O mais recente país a entrar em convulsão generalizada e violenta é o Niger. O aparecimento do sr. Prigozhin no teatro de “operações” não surpreendeu os mais atentos. Talvez fosse apenas uma imagem inserida e não factual. Mas a mensagem é óbvia. Os grupos de mercenários, tendo à cabeça o Wagner, andam por ali, ocupadíssimos a fazer valer os objetivos dos seus mecenas.
Vejamos quais poderão ser, tendo em conta três realidades indiscutíveis. A primeira é que a operação levada a cabo pela Rússia sobre a Ucrânia não está a ter os resultados pretendidos. A segunda, e que em boa verdade deriva da primeira, é que a Rússia conseguiu unir o Ocidente num objetivo comum, coisa impensável até há uma década. E, por fim, a terceira, mas não menos importante: o continente africano é uma verdadeira gruta de AliBabá com riqueza naturais a perder de vista e à mão de colher.
Se a guerra não se estendeu para o resto da Europa, evitando hipocritamente que se denomine de “mundial”, ela ultrapassou as barreiras continentais e espalhou-se pelos países mais pobres, dependentes e com sistemas altamente corruptíveis.
Tal como no xadrez, a estratégia não é atacar diretamente a Europa, mas minar os seus alicerces de forma consecutiva e um dos primeiros e imediatos é fragilizar o apoio da opinião pública ao esforço de guerra que tem vindo a sustentar a Ucrânia.
Fomentando crises políticas e alimentares em África, Putin conseguirá, não apenas colocar nos diversos governos fantoches seus (à semelhança do que tem vindo a ser feito pelos EUA; nada de original por esse lado), mas também promover êxodos populacionais nunca antes vistos.
Ora, estes movimentos populacionais, na sua esmagadora maioria constituídos por jovens muitos deles ainda menores à luz do conceito de menoridade oocidental, têm um único objetivo. Chegar à Europa.
Até ao momento, a União não tem sabido dar resposta consequente e adequada a esta situação que, – note-se! –, ainda não atingiu o seu auge.
Paralelamente, os movimentos anti-imigração vêm ganhando terrenos, mesmo que, como foi o caso em Espanha, pareçam perder alguma pujança momentânea.
Receio que seja uma ilusão que pode vir a ter um preço alto!
Quando os fluxos migratórios forem completamente imparáveis. Quando a sua razão de existir for apresentada como consequência da falta de cereais resultante do conflito, deixando de lado todas as demais… o que acontecerá à opinião pública europeia? Manterá o apoio a um conflito para o qual não vê solução ou, pelo contrário, manifestará o já latente cansaço e desinteresse? E que acontecerá aos partidos de extrema direita que, sabemos já hoje, serem apoiados pelo Kremlin (Oh ironia!! Vladmir Illich aos saltos na tumba de certeza!)
Putin nunca atacará a Europa diretamente. Mas, exímio em guerrilha e em estratégia a longo prazo, não se inibe de usar todos os trunfos para fazer ajoelhar a UE.
Mesmo que para tal tenha que sacrificar milhares de esfomeados em busca de pão e paz!
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