Inevitável como o Natal em Dezembro, cada vez que surge uma crise humanitária sobretudo no Médio Oriente, à qual se segue um êxodo populacional, começam as notícias de potenciais ataques terroristas.
A narrativa que coloca no mesmo título, na mesma notícia, as palavras “refugiado” e “terrorista” nada acrescenta ao acontecimento (ou possível acontecimento) e não é, sobretudo, inocente.
Os últimos acontecimentos no Afeganistão levaram de imediato à divulgação de investigações sobre elementos conectados com movimentos extremistas em Portugal, completando-se a informação com o facto de que os mesmos teriam entrado como refugiados.
Nem o momento da divulgação nem a forma da noticia são coincidências com mais este drama humano que implica uma fuga desesperada pela liberdade e, sobretudo, pela vida. A leitura que é feita é linear: todo o refugiado é um potencial terrorista.
Não se pode negar que nas vagas e fluxos migratórios chegam como diz o povo “filho de muita mãe” e que, tal como em qualquer crime e sobretudo quando este é transnacional, há uma clara tendência para que seja cometido ao abrigo de leis e procedimentos existentes para a proteção dos demais cidadãos. Trata-se dum abuso de direito que não pode colocar em causa o direito em si mesmo, sob pena de deixar desprotegidos os que de facto necessitam de proteção.
Ou seja, não se é terrorista por se ser refugiado e nem todos os refugiados são terroristas ou potenciais terroristas.
A associação da atividade terrorista às pessoas requerentes de asilo ou refúgio só pode ter um objetivo: inflamar a opinião pública contra o apoio e acolhimento destas pessoas.
Ora, o verdadeiro perigo terrorista não é o que vem de fora mas sim, cada vez mais, o que nasce e se propaga dentro de portas
Não atender às necessidades de proteção destas pessoas que, muitas vezes são vítimas de situações criadas ou pelo menos fomentadas exteriormente, é negar a nossa matriz humanista de que nos orgulhamos. Como dizia alguém. “não há pessoas dispensáveis”, sem referir a sua origem em localização.
O que a notícia devia enfatizar era o facto de os serviços de investigação estarem a funcionar na medida em que identificaram os elementos indesejáveis. Não foi, portanto, o seu mapeamento que falhou, mas sim, ao que parece, a troca de informação entre as diferentes forças, situação que não é única nem tão pouco exclusiva do nosso sistema
A associação da atividade terrorista às pessoas requerentes de asilo ou refúgio só pode ter um objetivo: inflamar a opinião pública contra o apoio e acolhimento destas pessoas.
Ora, o verdadeiro perigo terrorista não é o que vem de fora mas sim, cada vez mais, o que nasce e se propaga dentro de portas.
O principio básico do terrorismo não é apenas fazer vitimas, mas sobretudo propagar o medo e a insegurança. Todos nós temos bem presente na memória a divulgação de imagens de actos atribuídos ao Daesh em que o simples vislumbre dum macacão de cor laranja nos colocava de imediato em tenção. Era o medo intuído e, como tal, o mais bem conseguido com o mínimo de esforço ou recursos.
Mais do que a ameaça externa, deparamo-nos hoje com a crescente violência dum grupo que nega a ciência, a vacinação e as medidas de contenção, combate e prevenção da pandemia que nos assolou.
O movimento não surgiu com a Covid-19.
Começou a surgir com a recusa de alguma vacinação infantil, isto para apenas falarmos de questões relacionadas com a ciência e a saúde.
Mas desengane-se quem pensa que o movimento negacionista é apenas um movimento contra as vacinas ou com a existência dum vírus! O negacionismo é, sobretudo, um movimento contra o sistema, sem que apresente uma alternativa ao mesmo.
Começou com murmúrios, manifestações chegando neste momento à ameaça e ao insulto. Daqui à violência física o passo é mínimo. Até porque por ser um movimento transnacional, possui o efeito de contágio. As imagens de manifestações violentas noutros pontos do globo irão influenciar os brandos costumes que há muito deixámos de ter.
Ameaças à segunda figura do Estado, ao responsável pela task force de vacinação e até às forças de segurança nada pressagiam de bom. Estes terroristas domésticos são bem mais perigosos que os eventuais e residuais infiltrados nos fluxos de refugiados.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.