Se o grande “centrão” emitisse um sinal de radiofrequência, Marcelo Rebelo de Sousa seria o melhor político no ativo a captá-lo e a sintonizar-se com ele. A sua antena está ligada há mais de cinco décadas, treinada e aperfeiçoada para apanhar o que anda no ar com consistência política e potência significativa.
Marcelo, o professor e o político, sintoniza-se com o povo porque quer ser amado por ele. O que tem de solitário e individualista, tem de carente de aprovação. Alimenta-se dela, energiza-se deste beneplácito. Depois de uma vida a fazer política sem ganhar eleições a não ser internas, provou a doce anuência popular há precisamente sete anos, e novamente em 2021, com duas vitórias inequívocas à primeira volta. Determinou-se, qual promessa ou desígnio, a chegar ao fim do seu mandato presidencial em sintonia com o que vai na alma do povo que o elegeu. Algo que, afinal, todos os políticos deviam fazer.
Marcelo não está habituado a desviar-se desta frequência, e quando o faz, é por lapso ou estrita necessidade. Verdadeiramente, só provou deste amargo quando, em outubro de 2022, se pronunciou sobre o tema dos abusos sexuais na Igreja portuguesa, desvalorizando o número de ocorrências. Declarações que caíram muito mal, ouvindo críticas fortes da esquerda à direita. Seguiu-se, depois, o que muitos viram como um apoio injustificado a um governo que começava a ser corroído por casos e casinhos. As críticas extravasaram a bolha político-mediática e chegaram às sondagens, onde a sua popularidade caiu, e o Presidente assustou-se com a falta de afeto e emendou a mão.
Na entrevista que deu ontem à RTP e ao Público, um solto exercício de análise e explicação do statu quo político nacional, esta foi a tónica dominante: um Presidente que quer estar “em sintonia com a opinião pública”.
E foi assim, rigorosamente sintonizado e alinhado com a perceção maioritária, que foi duro tanto nas críticas que dirigiu ao Governo como à Conferência Episcopal.
Sobre o Executivo, duas expressões utilizadas resumem bem a sua atitude: “de pé atrás” e “a por a mão muito pouco por baixo”. Disse que “temos uma maioria cansada, requentada”, comparável mesmo à segunda maioria de Cavaco Silva, que como é sabido, se foi degradando dolorosamente aos olhos de todos.
Na economia, olha para o copo como meio-vazio, pede atenção às necessidades das pessoas para lá das contas certas, e porventura mais apoios sociais. Sobre o pacote da habitação, aberto “o melão”, não o achou particularmente doce: anuncia que privilegiará na sua análise a eficiência das medidas, da qual tem fundadas dúvidas, nomeadamente no polémico arrendamento coercivo das casas devolutas.
Ao executivo, um conselho de um hipocondríaco confesso: muito cuidado porque os casos são “como as Tac” – passam, mas deixam marcas. “As radiações ficam no corpo, são irreversíveis”.
À oposição, outro recado: “matematicamente há uma alternativa”, “politicamente” é que nem por isso. É preciso fazer mais.
Para o fim ficava um tema difícil para um católico confesso, o tal que já lhe tinha dado amargos de boca. E, em sintonia com o povo, prosseguiu sem olhar para o céu: foi arrasador na expressão da sua manifesta “desilusão”. Sublinhou que a Conferência Episcopal portuguesa “fez tudo ao lado” e “ficou aquém em todos os pontos que eram importantes”.
Roger and out, assim falou Marcelo, o grande sintonizador popular.