O enredo apocalíptico faz parte de vários filmes de ficção científica e até de sátira político-social (o melhor destes é o Don’t Look Up): imagine-se um asteroide prestes a embater na Terra, causando crateras gigantescas, tempestades de poeiras e devastação geral. Esta semana, testou-se uma abordagem radical perante semelhante ameaça futura para a Humanidade. Uma sonda do tamanho de uma máquina de vending foi lançada a uma velocidade de 24 mil km por hora de forma a embater contra o asteroide Dimorphos, do tamanho de um campo de futebol, e assim tentar desviar a sua rota.
Fascínio espacial confesso à parte, o acontecimento dá-me boas metáforas políticas: há asteroides à solta, capazes de causar danos de grandes proporções e uma mudança de rota é urgente. Putin é o maior de todos, naturalmente, mas não é dele que quero falar hoje. Esse equivale a Ceres, o asteroide com 952 km de diâmetro que foi, em 2006, já considerado um planeta anão. Debruço-me agora sobre dois asteroides mais pequenos que saltaram para a ordem do dia e que podem causar danos consideráveis: Liz Truss e Georgia Meloni.
Comecemos pela última. A piada é de almanaque: os melões só se conhecem depois de abertos. Porém, esta Meloni vem já com a casca podre, algo que, dizem a teoria e a experiência, não deixa antever miolo decente nem sabor satisfatório. A líder dos Fratelli d’Italia, nacionalista, antiprogressista e antiglobalista, que usa o slogan fascista “Deus, Pátria, Família” e diz “não” “aos burocratas de Bruxelas”, “à identidade de género”, “à imigração em massa” e “aos lobistas LGBT”, vai ser a próxima primeira-ministra de Itália – a primeira vez que a extrema-direita chega ao poder naquele país depois de Mussolini.
A discussão teórica sobre se Meloni é ou não fascista é interessante e entreterá academia, analistas e tuiteiros, mas é a prática que mais importa perceber. Itália, um caso de instabilidade permanente que teve 69 governos em 77 anos, é uma peça fundamental na União Europeia. E é também, como bem lembrou Roberto Saviano num artigo esta semana, um interessante laboratório político: teve Mussolini antes de Hitler, as Brigadas Vermelhas extremistas de esquerda antes de a Action Directe surgir em França e a Fação do Exército Vermelho na Alemanha, Berlusconi antes do Trump nos Estados Unidos. Meloni tem duas hipóteses: manter a rota, seguir a órbita de Viktor Orbán e fazer um buraco na coesão europeia, levando Itália num abismo de retrocessos civilizacionais e perigos financeiros; ou desviar a trajetória e ajustar – moderar e institucionalizar – o discurso à necessidade de receber fundos europeus, dos quais a economia italiana está fortemente dependente perante um cenário macroeconómico cinzento adiante.
Atravessando o canal da Mancha, estamos por estes dias já a ver os efeitos da insanidade política em ação. Liz Truss decidiu lançar-se num combate económico e fazer uma baixa de impostos durante uma guerra – o oposto ao que o simples bom senso aconselharia. Martin Wolf, comentador do Financial Times, não foi meigo nas palavras, ainda antes de ela ter sido eleita e resumiu bem a coisa. “Vamos ter uma fanática a liderar um governo louco durante uma enorme crise. E pior do que ter um desonesto no governo é ter um zelota”, disse.
Três semanas depois de tomar posse, os resultados estão à vista: a libra afundou para mínimos históricos face ao dólar e para mínimos de dois anos face ao euro, após serem anunciados os maiores cortes de impostos em cinco décadas e simultâneo aumento de despesa. Perante isto, já se fazem previsões que soam a catástrofe: o Banco de Inglaterra desenhou um cenário de risco “severo, mas plausível”, para testes de stresse bancário, em que o PIB do Reino Unido cai 5% em 12 meses, a inflação atinge os 17%, o desemprego duplica, as taxas de juro atingem os 6% e os preços das casas caem 31%. Eis a colisão do asteroide em todo o seu poder destrutivo. Mudar a rota é a opção – até porque os rivais saem beneficiados –, o Labour, entretanto, leva 17 pontos de vantagem nas sondagens.
Num caso como noutro, aconteça o que acontecer, os asteroides à solta deixarão o seu rasto. Veremos como isto será acomodado neste período de tanta turbulência cósmica.