As Presidências são como as viagens: nunca há duas iguais. Mudam com as companhias, as condições dos trilhos, as paisagens e o estado de espírito. Como Marcelo Rebelo de Sousa faz questão de sublinhar, este é o mesmo homem que tomou posse nesta terça-feira para o segundo mandato presidencial. Mas este homem é hoje, cinco anos depois, uma pessoa diferente, que carrega na bagagem um legado e outra experiência.
Hoje já não são notícia as suas fintas ao protocolo, o pesadelo de segurança nas aventuras e incursões inesperadas, os mergulhos no mar, as idas ao supermercado ou ao restaurante da esquina comprar o jantar.
Marcelo é e continuará a ser o Presidente mais normal, e mais genuinamente próximo, que este País já viu, e é também isso que granjeia a popularidade que os resultados nas urnas em plena pandemia só confirmaram. Não fosse a Covid e estivesse o País numa sossegada curva ascendente, acredito que teria chegado ao resultado histórico de Soares. E, não tenhamos dúvidas, a sua capacidade de criar consensos e de aproximar os portugueses desencantados da política é por cá um travão aos populismos.
Mas, tal como escrevi quando Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse no primeiro mandato, o Presidente mais próximo dos portugueses é também o mais imprevisível que o País já viu. E se isto era verdade antes, ainda o é mais agora. Marcelo desiludiu todos os que, à direita, achavam que exerceria o mandato alimentado exclusivamente por simpatias políticas. Para muitos, a sua equidistância e, sim, a sua imparcialidade, causaram azia: onde já se viu um Presidente eleito pela direita não complicar o mais possível a vida a um Governo de esquerda sem uma confortável maioria parlamentar? Viu-se com este Presidente.
Não se consegue traçar-lhe padrões. Podemos conjeturar, mas não podemos saber exatamente o que lhe vai na cabeça, e o que lhe diz o seu faro político para fazer. E à segunda, estará como todos os outros presidentes estiveram: mais solto, mais confiante e sem nada mais a provar.
Marcelo Rebelo de Sousa pensa em política desde que se levanta até que se deita, e nas poucas horas que dorme sonha com ela. Move cordelinhos e atua nos bastidores, sabe muito sobre tudo, estuda os dossiês, consegue tirar conclusões sem precisar de assistentes. Marcelo é o melhor assessor de si próprio, Presidente Marcelo. Aliás, mudam-se os assessores e a Casa Civil, mas mais conselho, menos conselho, ele só fará o que entende.
No segundo mandato, esta viagem por Portugal será outra. A paisagem é bem diferente: um País em pandemia e pós-pandemia, com uma herança de uma crise económica, desemprego e um tecido empresarial árido, e com fundos europeus a chegar como nunca antes visto (6,8 mil milhões para gastar por ano, depressa e bem). Os pisteiros são mais inconstantes e já não acordam na rota a seguir. As companhias pelo caminho nem sempre tão aprazíveis, o humor mais variável.
No dia da tomada de posse, Marcelo Rebelo de Sousa foi deixando recados para a viagem: não quer “pântanos”, quer “alternativas claras de governação”, exige “clareza estratégica” e resultados. Deixou claro que terá vários mandatos neste mandato, que é como quem diz, várias etapas neste percurso – em pandemia e pós-pandemia, antes e depois de eleições legislativas. O Marcelo que teremos dependerá da paisagem que encontrar em cada uma delas. Uma coisa parece certa: a sua sintonia com o Governo já viu melhores dias. Ou António Costa prova ou Marcelo – um lobo cada vez mais solitário – não perdoará.