O pior que pode acontecer a um líder é ignorar todas as possibilidades. E, em qualquer circunstância, uma das fortes possibilidades que se pode impor é, lamentavelmente para um idealista, a fria e dura realidade. Carles Puigdemont chocou esta semana a alta velocidade contra uma parede de realidade. Teve por isso, para lamento de uma certa esquerda portuguesa de revolucionários tardios que pulula por aí, de fazer um salto encarpado à retaguarda, anunciando, num discurso híbrido, que vai declarar a Independência e suspendê-la para abrir o diálogo com Madrid.
A realidade tem muitas formas, e aquela em que embateu este sombrio Puigdemont pinta-se de duas cores, como a bandeira da Catalunha (a Senyera riscada): um referendo cuja legitimidade a comunidade internacional jamais reconhecerá e uma saída em massa de grandes empresas espanholas da região. Sabadell e CaixaBank juntaram-se agora ao Popular e, das sete companhias catalãs que figuravam no IBEX, no dia seguinte ao referendo restavam apenas duas. Os tais 19% do PIB de Espanha que tanto acalentavam os ímpetos independentistas encolheram sobremaneira, e isso é um grande balde de água fria (à atenção da tal esquerda, Lenin diria que “os factos são teimosos”).
Independentemente de tudo o que se pense sobre a forma subalterna com que Espanha tem tratado a Catalunha ao longo dos tempos (embora o seu grau de autonomia seja amplamente reconhecido), Puigdemont padece de um problema de legitimidade óbvio: falar de 90% de apoio à independência, com base num referendo onde só foram votar os apoiantes fervorosos da causa, é grave. Do total de eleitores, apenas 42% compareceram nas urnas – menos de metade. É verdade que as revoluções não pedem licença nem cumprem leis ou preceitos constitucionais: resta saber se Puigdemont quer ser um revolucionário na Europa em 2017. Uma coisa é certa: a sociedade espanhola está fatalmente dividida, e as feridas abertas dificilmente se saram pela via do diálogo com estes protagonistas (a evidente inabilidade política de Rajoy é inquestionável).
Mas o mais grave de tudo isto é a temível Caixa de Pandora que este movimento abre aos nacionalismos em crescendo na Europa. Mario Vargas Llosa, o prémio Nobel da Literatura, disse numa manifestação no fim de semana passado que o nacionalismo é “a pior de todas as paixões, e a que causou mais estragos na História”. Podia ter também citado Ortega y Gasset, como fez Inés Arrimadas do Ciudadanos, que tão bem falou logo a seguir a Puigdemont no Parlamento, recordando que “o nacionalismo só cresce nos países que não funcionam”. “Se calhar é este o momento de reformar este país” em busca de “um sentido comum”. Parece-me um bom ponto de partida.
Artigo publicado na VISÃO 1284 de 12 de outubro