Fascistas, reacionários, ladrões, escumalha engravatada. Sai uma esquerda a apontar à cabeça. Comunas, esquerdalhos, inconscientes, golpistas, levianos. Toma lá um golpe de direita no estômago. Todos estes qualificativos são reais, atirados em posts ou caixas de comentário de gente verdadeira. Andar pelas redes sociais nos dias políticos agitados que correm é mais ou menos como assistir a um combate de boxe de pesos pesados, mas sem árbitro nem regras. Quem, como eu, tem amigos cheios de opinião que vão de um extremo do espetro político ao outro, fica KO ao fim de 5 minutos a percorrer Twitter ou Facebook.
Na blogosfera, multiplicam-se os textos com trocas de insultos e acusações. Só um exemplo? No blogue “Insurgente”, um post com o título “Les Miserables”, escrito por altura no anúncio do acordo à esquerda, chamou ao trio Costa, Catarina e Jerónimo “Frente de Golpistas, Lunáticos e Totalitários”. “O nojo que me suscita esta gente (que de gente tem muito pouco) e que chega a ser físico é bem justificado. (…) Putedo rasca é o que são, do primeiro à última”, escreve o autor. Não é caso isolado. Do lado de lá da barricada, há comentários com o mesmo tom a disparar contra o “inimigo” de direta.
Não tenhamos dúvidas, na internet, em matéria de crispação política e verborreia, voltámos aos tempos do PREC. Ou pior ainda. O comentário nos media (tv e imprensa) já espelha bem a crispação que se vive num país onde se experimentam novos territórios políticos – perigosos, porventura pantanosos. Mas nada como o que se vê online, onde vale tudo, até tirar olhos.
Há razões de fundo para tal. É o reverso da medalha deste maravilhoso mundo novo. Na net as pessoas mostram as suas facetas mais obscuras porque estão escudadas atrás de um ecrã. Dizem coisas sobre outros e aos outros que jamais diriam frente a frente. E os fenómenos de construção tribal e de identificação inter-pares funcionam especialmente bem – se alguém se excede na linguagem ou vai mais além no tom do comentário, facilmente consegue uns likes extra. As pessoas gostam de incentivar os excessos alheios a uma distância segura. O bom senso e a tolerância não contribuem para a popularidade online.
Mas se por um lado as redes sociais são palco para discussões extremadas, por outro estimulam o pensamento único. Ao contrário do que se podia pensar, sendo as redes territórios de livre expressão, a pressão dos pares e amigos faz com que tendam todos a dizer a mesma coisa dentro dos mesmos grupos. Ninguém arrisca sair do rebanho, ir contra a corrente. Um dia está Portugal inteiro a bater na Pipa, a bloguer da mala da Chanel (ainda alguém se lembra disso?), no dia seguinte o alvo são os bifes da Isabel Jonet, a seguir ataca-se José Rodrigues dos Santos por causa do comentário em direto, depois manda-se abaixo o Pedro Arroja e a sua crítica às “esganiçadas”. Quem não alinha na pancadaria em massa está out, e ninguém quer ficar out.
Vem a propósito um estudo da Pew Research sobre o futuro da internet que andei a ler há tempos. O reputadíssimo centro inquiriu quase 1200 pessoas ligadas às novas tecnologias e líderes de opinião digital sobre os cenários para o futuro da rede e o seu impacto político, social e económico. À pergunta sobre se a tolerância social seria maior em 2020 devida à internet, a maioria (56%) discordou deste cenário. Simplesmente porque a natureza humana é demasiado forte e encontra na rede território fértil para que a nossa pior faceta gemine. Como disse Fred Ledley, fundador e chairman da Mygenome, ouvido no estudo, “a internet é um perigo para a tolerância social”. A distribuição fácil do ódio e da propaganda permite a disseminação de material de ódio que anteriormente seria mais difícil de divulgar. E, pior, torna mais difícil de destrinçar o que é um comportamento excessivo de um pequeno grupo indivíduos, do que é um verdadeiro movimento ou organização, defende este especialista. Bernando Huberman, diretor do Social Computing Lab dos Laboratórios da HP, vai mais longe. Sublinhou, no trabalho da Pew, que a net permite às pessoas encontrarem as suas próprias comunidades insulares isoladas da crítica alheia. “Ao juntar facilmente pessoas dos mesmos backgrounds, o efeito imediato são guerras mais sangrentas, provavelmente não nos campos de batalha mas certamente nos movimentos sociais e na política.”
Ao que se tem visto nos últimos tempos em Portugal, restam poucas dúvidas.