Portugal regista, em 2025, os níveis mais elevados de emprego desde que há registos, com cerca de 5,3 milhões de pessoas a trabalhar. A preocupação que mais tem crescido nos inquéritos às empresas é a falta de trabalhadores, muitas áreas de atividade enfrentam sérias dificuldades com a falta de pessoal qualificado e as limitações ao recrutamento de mão-de-obra estrangeira estão a pôr em risco os objetivos do PRR.
Num contexto de escassez de mão-de-obra, os salários reais têm crescido nos últimos anos acima da inflação, com destaque para a área da construção com valorizações acima de 8 por cento. Os baixos salários em termos europeus têm conduzido à saída para o estrangeiro de jovens quadros qualificados em áreas como as da saúde, das tecnologias de informação, da gestão ou das engenharias. A falta de trabalhadores nacionais disponíveis faz com que hoje cerca de 40% dos postos de trabalho na agricultura, 30% na construção, 25% no turismo, 20% no apoio a crianças e idosos e 12% na distribuição sejam assegurados por estrangeiros.
Face a este cenário o que resolveu o Governo na sua fúria ideológica? Abrir um incompreensível conflito social em torno das leis laborais, já profundamente revistas várias vezes este século, desde a aprovação do Código do Trabalho no tempo de Durão Barroso, à simplificação dos despedimentos e do trabalho precário nos tempos de Passos Coelho, até à recente Agenda para o Trabalho Digno de 2023.
A reforma foi apresentada solenemente no dia 24 de julho. Desde então,não se percebeu qual a abertura negocial do Governo relativamente aos eixos estruturais da proposta, que toca mais de 100 artigos do Código do Trabalho, para além de declarações retóricas mas sem conteúdo útil de amor pelo diálogo social, o que é estranho por parte de um governo tão minoritário.
Após quatro meses de orelhas moucas do Governo foi anunciada uma greve geral conjunta da CGTP e da UGT. A propaganda oficial coloca-se agora no lugar da vítima dizendo não perceber como se podem causar tantos transtornos ao País quando só existe ainda um anteprojeto de lei, longe da aprovação, e os sindicatos deveriam manifestar maior abertura negocial e deixar as greves talvez para quando tudo estivesse já consumado.
De facto, é estranha a falta de abertura dos sindicatos para concordar com a possibilidade de despedimentos sem processo nem justa causa nas empresas até 50 trabalhadores, com a dispensa de reintegração caso o despedimento seja considerado ilegal pelo tribunal, a possibilidade de contratar em outsourcing no dia seguinte ao despedimento coletivo, com o banco de horas individual, com contratos a prazo para toda a vida (cada um até 3 ou 5 anos), com a possibilidade de reclassificação profissional com redução de salário, com a obrigatoriedade dos pais de crianças trabalharem ao fim de semana ou com a descriminalização do trabalho não declarado e pago por baixo da mesa.
Estas são só algumas das inovadoras propostas do Governo, que em nenhuma aceitou retroceder, mas que em nada contribuem para a competitividade, a modernização digital e a qualificação dos trabalhadores. Parecem pelo contrário fortíssimos incentivos à instabilidade para os mais jovens, à perseguição das famílias, um incentivo ao precipício demográfico e à degradação das relações sociais.
Depois de meses de hipocrisia do diálogo e de inocentes lamentos acerca de uma greve “inoportuna”, Montenegro veio agora misturar a ameaça sobre o cumprimento dos serviços mínimos, e o terrível impacto económico da greve, com uma vaga de demagogia de promessas sobre salários que nem lembrariam aos sindicatos como pedidos ao Pai Natal.
O salário mínimo vai subir para 920 euros em 2026, a função pública vai ser aumentada em 2,15% e o subsídio de refeição em 10 cêntimos, mas se não houvesse greve geral poderíamos, segundo o mago Montenegro, sonhar com um salário mínimo de 1500/1600 euros e salários médios de 3 mil euros (ainda assim com dificuldades para suportar uma renda “moderada” de 2300 euros).
Até Bagão Félix e Silva Peneda vieram já reconhecer a inoportunidade e natureza desequilibrada da reforma da legislação laboral, mas a arrogância da ministra Rosário Palma Ramalho, que pretendeu centrar o debate na amamentação e no luto gestacional, parece não ter percebido a imbecilidade económica da proposta e a violência social que comporta. Esperam que passado o Natal e a greve geral, a trituradora da aliança PSD/Chega imponha a vontade da nova maioria.
Na Bélgica, três dias de greve geral pararam o país e nem um voo aterrou em Bruxelas, em França a conflitualidade social devora primeiros-ministros, travou já a modesta reforma da idade de reforma e faz alastrar a violência nas ruas, mas a direita lusitana ainda não soube dar valor à nossa paz social e à tradicional moderação dos sindicatos portugueses.
Montenegro quis esta greve geral e aposta na reescrita unilateral do contrato social, tal como o está a fazer ao equilíbrio político com a aliança com a extrema-direita, mas pela sua impreparação para a concertação social, sem perceber que a alternativa é bem mais dramática e violenta, a ministra Rosário Palma Ramalho merece o prémio Laranja muito Amarga de hoje.
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