Querida avó,
Como vão as coisas na tua amada Ericeira?
Novidades da capital, inaugurei recentemente, como tu sabes a Exposição Retratos Contados de Anita Guerreiro.
É um gosto enorme ser comissário desta exposição, que conta um pouco (pouquíssimo) do muito (muitíssimo) que é a vida e obra da menina que nasceu com o nome Bebiana, no Bairro do Intendente, mas desde cedo começou a destacar-se no mundo do espectáculo, onde passou a ser conhecida por Anita Guerreiro, nome pelo qual todos a conhecem.
Conheci-a no restaurante O Faia em 2015.
A longa conversa que tivemos, naquela que foi durante muitos anos a sua segunda casa, marcou-me para sempre.
Naquele fim de tarde tive logo a certeza que gostaria de fazer uma exposição sobre a sua vida e obra. Uma carreira cheia de tantas coisas tinha que ser partilhada com todos em forma de exposição.
É impossível escrever-se a história de Lisboa, sem se falar do nome de Anita Guerreiro.
A mulher que imortalizou o nome da capital portuguesa com a canção Cheira Bem, cheira a Lisboa, a atriz e cantora, que esgotava todas as sessões das revistas em que participava no saudoso Parque Mayer, no Coliseu e em outras salas onde o público ia assistir ao Teatro de Revista.
Anita Guerreiro participou em cerca 35 séries e novelas nos três canais generalistas. Foi madrinha da Marcha dos Mercados durante mais do que um década. Durante aproximadamente 25 anos, noite após noite, cantou e encantou todos os que foram ouvi-la ao Faia. A mulher que, para além da carreia de sucesso que teve, dedicou a sua vida aos filhos e ao marido.
Hoje vive na Casa do Artista, onde é feliz e muito bem tratada.
A exposição vai estar patente, até final de agosto, na For.Ever Art Gallery, na Av. António Augusto de Aguiar, em Lisboa. Aliás, na belíssima galeria onde já esteve a tua exposição e a do Ruy de Carvalho.
Quando vieres a Lisboa faço-te uma visita guiada à exposição.
O encerramento das Festas de Lisboa foi com o espectáculo Cheira a Lisboa, sobre os 100 anos do Parque Mayer.
Ao longo do passado mês realizaram-se diversas iniciativas no Parque Mayer para dar início às comemorações do seu centenário.
A exposição da Anita Guerreiro vai ser itinerante pelas freguesias onde viveu (Misericórdia e Arroios). Quero ver se também vai para Carnide onde é a Casa do Artista.
Ando a trabalhar para que a exposição venha a fazer parte das celebrações dos 100 anos do parque Mayer e que no próximo ano seja integrada nas Festas de Lisboa.
Que recordações tens do Parque Mayer?
Conta-me tudo.
Bjs.
Querido neto,
Que bela iniciativa a tua, a de homenagear a Anita Guerreiro.
É importante não esquecermos estas personalidades!
A Anita é um grande símbolo da Cultura Popular que não pode, nem deve, ser esquecida.
Quanto ao Parque Mayer, em criança, nunca falhei uma revista nos diversos teatros. Como os tios com quem eu vivia adoravam teatro, levavam-me sempre com eles.
Eu aprendia as cantigas todas que ouvia, um palavrãozito ou outro—depois cantava tudo em casa, para grande desgosto das minhas velhas tias que eram senhoras muito sérias, e que, quando assistiam às revistas, nunca se riam, para mostrar que não percebiam nada do que se dizia no palco.
A primeira atriz que me lembro de ver no Parque Mayer era uma miúda pouco mais velha que eu, chamada Olinda Dulce. Ela cantava, saltava, dançava—e eu sonhava ser como ela.
Muitos anos depois, já eu trabalhava no Diário de Notícias, escrevi um texto sobre ela.
E as pessoas ligaram-me e escreveram-me a dizer que disparate, nunca houve uma atriz com esse nome. Até a pessoa que mais sabia, com uma data de livros publicados sobre teatro – sobretudo teatro de revista – me disse categoricamente que eu estava enganada.
Até que, semanas depois de o meu artigo ter saído, recebo uma carta da Suíça, de uma senhora que me dizia que eu estava certíssima, a Olinda Dulce era cunhada dela e tinha ficado feliz por saber que alguém ainda se lembrava dela!
Depois foi a fase da Beatriz Costa. Lembro-me dela, muito nova, no fim do espectáculo, afastar um bocadinho o pano e dizer “adeus, meninos, até amanhã!” Anos mais tarde entrevistei-a muitas vezes para o DN. E ela fazia uma coisa extraordinária: mandava-me sempre um cartão a agradecer.
Ficámos amigas até ao fim da sua vida. Muitas vezes eu saía do DN e ia ter com ele ao Hotel Tivoli, onde ela vivia—e ali ficávamos na conversa.
Depois veio o 25 de Abril, e a revista deixou de ter graça.
Em vez dela temos agora os grandes musicais dos meus queridos amigos Filipe La Féria, e Irmãos Feist.
Em breve vou a Lisboa. Depois combinamos para irmos visitar a exposição da mulher que deu voz à canção Cheira bem, Cheira a Lisboa. Para mais, gosto muito da For.ever art gallery. É perto da minha casa e, como tão bem recordaste, já la esteve a minha exposição e a do Ruy de Carvalho.
Mesmo em agosto, tu não paras…
Fica bem!
Bjs.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.