Querida avó,
Já há muito tempo que não falamos da minha porteira neste nosso “Diário”.
Hoje, venho a chegar do ginásio e digo-lhe:
– Bom dia, D. Lurdes. O verão começou esta semana, mas o calor à sério só começa a partir de amanhã.
Ao que ela me responde:
– O verão pode já ter começado. Mas as minhas articulações e o meu galo não assinalam bom tempo para hoje.
– Como?
Com isto de andarmos de máscara nem estava a perceber do que a mulher estava a falar. Ela nem hesitou. Levantou-se num ápice, entrou dentro de casa, para logo de seguida sair. Na mão trazia um Galo aveludado. Ergue o Galo e diz:
– Como o menino pode ver, o Galo não está com as penas azuis. Logo, o verão já pode ter começado mas o Galo não me diz que vamos ter um dia com temperaturas de verão. E o Galo nunca se engana!
E volta a desparecer dentro de casa.
Eu lá subi as escadas calado que nem um rato.
Há muitos anos que não via um galo daqueles. Lembro-me de os meus pais terem um (quem não tinha?), quando eu era pequeno.
Dependendo das condições climatéricas, mudavam para cores que oscilavam entre os vários tons de azul ou vários tons de rosa. Rosa era indício de que, provavelmente, o tempo ficaria chuvoso e frio. Mas se ele estivesse azul, provavelmente o dia permanecia quente sem previsões de chuvas.
Os galos do tempo nunca conseguiam determinar as previsões do tempo para o futuro. Serviam apenas para registrar as variações do clima no momento.
Não era milagre nenhum! Apenas o resultado químico de um produto com que o Galo era fabricado que o fazia mudar de cor consoante a humidade do local onde se encontrava.
Verdade seja dita que o Galinho da D. Lurdes estava colorido com um azul tímido.
Mas este método de previsão meteorológica ia para além dos galinhos. Recordo-me de ser pequeno, e em Fátima ver à venda Santinhas que também “previam a mudança de tempo” consoante a mudança da cor do manto.
Por falar em porteiras, passei pelo teu prédio para “aliviar a tua caixa do correio”.
A tua porteira estava felicíssima! As campainhas já tocam e já se consegue abrir a porta do prédio.
Disse-lhe:
– D. Francisca, que bom! Já tem a sua coisa a funcionar.
Ao que ela me respondeu:
– A minha coisa sempre funcionou muito bem. Mas precisava de manutenção. Estiveram cá os técnicos e já deixaram tudo operacional. Com o uso, a coisa estava a precisar de manutenção.
E lá vim eu com as tuas cartas.
Já na Ericeira, não precisas de campainhas nem de porteiras.
Aliás, para dizer a verdade nem precisavas de caixa do correio. O carteiro deixa-te a correspondência nos bares onde andas sempre caída. Nem precisam de morada, só de remetente.
Boa semana e bom Verão.
Bjs
Querido neto
Isto do tempo tem que se lhe diga…
Lembro-me de haver uma Nossa Senhora em casa da minha avó Gertrudes (onde eu ia raramente) que mudava de cor consoante havia sol ou chuva. Mas do que eu gostava mais era de uma estatueta de gesso, ao lado da Nossa Senhora, que era um mealheiro, com um menino loiro e um menino preto, onde se lia “ajudai as missões”, e quando se deitava uma moeda lá para dentro eles ficavam a acenar com a cabeça uma data de tempo.
Mas voltando ao tempo.
Lá em casa das minhas tias a gente guiava-se mais pelas maleitas delas: “ai as minhas cruzes! ”— estava frio e húmido. Quando se passeavam pelo corredor entretidas a dizerem mal das vizinhas—fazia bom tempo.
Mas em miúda, eu e os meus irmãos fomos sempre habituados à chuva e ao frio.
Passávamos o verão em Rio de Mouro, e íamos todos os dias à praia do Guincho. Hoje é uma praia da moda—mas naquela altura éramos as únicas pessoas que lá iam. E antes de sairmos de casa, a minha tia Aurora telefonava para o Café Muxaxo, que ficava ao lado da praia, a perguntar ao Sr. Américo como estava o tempo. E ele dizia. Então armávamo-nos de mantas, casacos, camisolas, mais os tachos com a comida para o almoço, e lá marchávamos para o Guincho. É claro que o meu tio muito raramente descia à praia, a não ser para almoçar, e ficava pelo café a conversar com o Sr. Américo, ou com o Conde de Barcelona, que também lá estava sempre caído. Às vezes levava os filhos, e é desse tempo que me lembro de brincar com o Juanito, ou seja, o ex-rei Juan Carlos , de Espanha.
Claro que a praia não era vigiada, nem se sabia que coisa era essa. Mas, às 11 em ponto, chegava o Sr.António, que era pescador, vendia peixe às minha tias, e depois mandava-nos pôr em fila diante do mar, apertava o nosso nariz e atirava-nos para a água. A gente esbracejava, gritava, mas só saía quando ela deixava,
E foi assim que todos nós aprendemos a nadar na perfeição.
Isto, claro, quer chovesse, quer fizesse sol. E nunca nenhum de nós se constipou.
E agora até me estou a rir, a pensar como mudaria de cor a Nossa Senhora ou o teu Galo, aqui na Ericeira! Saio de casa, está a chover; vou a meio da rua, faz sol, chego à praia está outra vez a chover… Coitadinhos, morriam de exaustão…
E vou ficar aqui pela Ericeira. Se quiseres cá vir, sabes o caminho de cor.
Só não me perguntes pelo tempo…
Beijos e cuida-te.
Está tudo muito complicado!
O Diário de uma Avó e de um Neto é um projeto do site Retratos Contados