Querida avó, como estás?
Que bom, estes dias com sabor a primavera.
Viste a Eurovisão? Detestei a canção vencedora!
Pela primeira vez, tivemos uma canção cantada em inglês a representar-nos.
Não posso dizer que me choca, já vários países o fizeram. Até gosto da canção e do grupo, mas claro que prefiro ver o nosso país ser representado pela nossa língua materna.
Muitos indignaram-se com esta situação. Os ABBA ganharam a Eurovisão mais do que uma vez, a cantar em inglês… e eram suecos.
Os mais novos não sabem que inicialmente o festival da Canção era designado por Grande Prémio TV da Canção Portuguesa, que começou em 1964 (há 57 anos), com o objetivo de selecionar uma canção para o Festival da Eurovisão. Sendo tu jornalista há 60 anos (praticamente tantos anos como os de festival), deves ter escrito sobre tudo e mais alguma coisa sobre este assunto. Sobre as alterações que foram feitas ao nome, o nome inicial manteve-se até 1975. Em 1976, chamou-se Uma Canção Para A Europa e, em 1977, foi o ano de As Sete Canções. Em 1978, foi adotado o nome Uma Canção Portuguesa. A partir de 1979, o nome do certame fixou-se em Festival RTP da Canção, nome que mantém até hoje.
Ao longo destas particamente seis décadas, existem curiosidades e mudanças para todos os gostos. Mas vou deixar esse assunto para ti. Avós que se prezem contam histórias aos netos. Ninguém melhor do que tu, a melhor contadora de histórias, para falares das curiosidades do Festival tais como: os apresentadores que mais vezes apresentaram o Festival, os cantores que venceram o Festival mais do que uma vez, as roupas, as polémicas, assuntos de bastidores…
Acho curioso, como temos tantas memórias de canções e de vencedores do Festival do século passado, e guardamos poucas memórias dos vencedores mais recentes.
Claro que iremos sempre recordar os The Black Mamba por serem os primeiros a vencerem o Festival com uma canção em inglês; a Elisa, que venceu a edição de 2020 com a canção Medo de Sentir, (que até gostei muito), e que “teve tanto medo de sentir a Covid-19 que ganhou o Festival mas não foi à Eurovisão, pois este, devido à Pandemia, não se realizou. Não vamos esquecer o Conan Osirís com os seus telemóveis partidos, nem os Homens da Luta… mas não os esquecemos por serem boas canções, ou por causa das polémicas causadas?
Claro que jamais iremos esquecer o Salvador Sobral e a belíssima canção Amar pelos dois. Tanto nós, como as gerações futuras, irão recordá-lo por ser o primeiro representante português a vencer a Eurovisão. No entanto, não podemos ser alheios a toda a polémica que existiu em torno do Salvador, desde a participação na primeira eliminatória até ao dia da apoteose em Kiev, na Ucrânia.
De repente veio-me à memória as imagens das milhares de pessoas que se juntarem no Aeroporto Humberto Delgado para receber os irmãos Sobral.
E o que se escreveu? Provavelmente, muitos dos que o criticaram acabaram a escrever coisas maravilhosas sobre o Salvador Sobral.
Mas se fizermos uma comparação com o passado, não podemos ser alheios ao que aconteceu em 1969 quando a Simone chegou a Lisboa. Numa altura em que só havia um canal de televisão, em que não existiam redes sociais, em que a maioria ouviu o Festival através de uma telefonia … foram milhares os que se juntaram na Estação de Santa Apolónia, para a receber vinda de Madrid. Simone ficou em penúltimo lugar na Eurovisão, mas os Portugueses receberam-na como se tivesse conquistado o primeiro prémio.
Já que estou a falar de canções antigas, não esquecemos o António Calvário, com a canção , o primeiro vencedor do certame, nem os nomes e canções que lhe seguiram nas edições seguintes. Simone de Oliveira, primeiro com o Sol de Inverno, anos mais tarde com a eterna Desfolhada, a Madalena Iglésias, o Eduardo Nascimento, o Carlos Mendes, Fernando Tordo e o Paulo Carvalho. São tantos os “inesquecíveis” como a Manuela Bravo e o seu Sobe, Sobe, Balão Sobe, o José Cid, as Doce… Enfim, ficava aqui a tarde inteira a falar do Festival e a minha vida não é só isto.
Não posso ir embora sem recordar a Dulce Pontes, a Adelaide Ferreira, a Lúcia Moniz (que ficou em 6º lugar, o melhor lugar conquistado até à data), a Dina, a Dora, a “nossa” querida Anabela e tantos outros vencedores.
Deixo para ti outras memórias, outras curiosidades e, acima de tudo, não nos podemos esquecer de recordar os autores e compositores, pois sem eles não se faziam grandes canções.
Bjs
Querido neto
Tu nem imaginas o que era dantes o Festival da Canção!
Tudo fechava, as pessoas reuniam-se em casa dos amigos e também faziam as suas votações… embora não servissem para nada… Num tempo sem telemóveis, como se votaria de casa? Eram os júris distritais que votavam e, se queres que te diga, parecia-me bem melhor: agora votam os primos, os tios, os namorados, os maridos, os ex-maridos, as vizinhas e fica tudo estragado (viu-se neste último…).
Uma vez o jornal onde trabalhava, na véspera do festival mandou-me ligar para teatros, cinemas, etc, a perguntar se iam fechar . Eu era muito amiga da D. Amélia Rey-Colaço, e ela ficou muito indignada comigo: “Ó Alice, fazer-me uma pergunta dessas? Por que razão iria fechar o Teatro Nacional? Só por a televisão transmitir um festival de cantigas? Claro que não fechamos, que ideia!”
E estava mesmo zangada.
Lá fui para a minha mesa continuar o inquérito quando, algum tempo depois, um colega meu me chama: “olha, recebemos agora na secretaria um telefonema a dizer que o Teatro Nacional também fecha”
Ri-me, claro. Nem tinha tido coragem de ligar para mim…
Mas nesses tempos pré-históricos os jornais tinham muito dinheiro. E mandavam-nos ao Festival da Eurovisão. E disso tenho muitas saudades.
Lembro-me de um ano (em que em Portugal ganhou o José Cid ) em que fui eu e mais alguns jornalistas portugueses. O que nós nos divertimos…O Festival era em Haia, mas nós ficávamos todos num casino que havia numa praia, Scheveningen, durante uma semana inteira! Aí percebi que havia jornalistas de jornais estrangeiros que só faziam aquilo durante todo o ano e sabiam tudo, nomes de quem cantava, de quem não cantava, de quem ia ganhar, de quem ia perder. As delegações organizavam festas, para falarem das suas canções. Foi a primeira (e única) vez na minha vida que comi rena, na festa dos Noruegueses.
E toda a gente sabia que era a Katja Ebstein, da Alemanha, que ia ganhar. Lembro-me dela, parecia uma rainha a olhar para a plebe, muito distante, era preciso marcar hora para a entrevistar.
Não estive para isso. Andava eu pelos corredores do casino quando encontro um rapaz, loirito, muito triste, que também andava por ali aos gambozinos. Tinha uma t-shirt onde se lia: “Talk to me” (falem comigo). Achei piada e fui com ele para o bar onde ficámos à conversa. Era inglês, concorria com uma canção que não tinha hipóteses nenhumas, nem um só jornalista tinha falado com ele, era como se não existisse. Fiz-lhe uma entrevista, e até lhe paguei um gin tónico, tadinho. Ele ficou muito grato, e lá desandou pelos corredores. Eu aproveitei, escrevi a entrevista e mandei logo para o jornal.
O rapaz loirito chamava-se Johny Logan — e ganhou o Festival.
E o Diário de Notícias publicava uma cacha, pois nenhum jornal o tinha entrevistado. Os meus patrões também me elogiaram muito…
Foi a minha coroa de glória.
Bons tempos.
Quanto ao vencedor da Eurovisão deste ano… não tenho nada para dizer. Enfim.
Bjs
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