Querida avó,
A inauguração da exposição de homenagem ao nosso Ruy de Carvalho foi um sucesso!
Estou exausto, mas muito feliz.
Depois de meses confinado, estou de volta aos grandes eventos. Não podia começar de melhor maneira!
O Ruy de Carvalho dispensa apresentações. Com 94 anos de vida, e 78 de carreira, é o ator português mais velho no ativo. É um dos mais emblemáticos atores nacionais portugueses e dos poucos vivos da sua geração, detentor de inúmeros honrarias e comendas. A mostra reúne fotos retrospetivas da vida e da obra do ator, da sua infância, família, casamento, colegas, trabalhos e muitos mais.
Entre os vários elementos expostos, posso destacar para um conjunto de fotografias de autoria de Pedro Homem Cardoso, e o texto final da exposição da tua autoria, querida avó.
Esta exposição estará patente ao público até final de julho, na Galeria Raul Solnado, na Casa do Artista, em Lisboa.
A escolha desta localização tem a ver com o facto da ligação que o Ruy tem à Casa do Artista desde o início do projeto. Para além disso, o Ruy de Carvalho faz parte do elenco A Ratoeira, que está em cena no Teatro Armando Cortez.
O público que vai assistir à peça tem assim mais um motivo de atração. A entrada da exposição é gratuita.
Como sabes, o Ruy de Carvalho tem 94 anos.
Tenho que admitir a minha mais pura perplexidade! 94 anos? O Ruy não tem idade, é intemporal!
Tenho pelo Ruy (e pela família) uma gratidão imensa, por uma vida inteira dedicada à arte, aos palcos, à representação.
Cresci a ver o Ruy na televisão. Recordo-me de o ver na novela Vila Faia ou na série Gente Fina é Outra Coisa, devia eu ter uns dez anos.
Acima de tudo, admiro o Ruy por ter tempo para os outros, por abraçar tantas causas sociais, por tudo o que faz, faz de corpo inteiro. O Ruy tem uma lucidez invejável. É impressionante ouvi-lo a recitar o texto do Monologo do Vaqueiro, que fez há… 64 anos, como se o tivesse representado o ano passado.
Quem ama a vida como o Ruy é amado por ela. Quem ama os outros como ele ama é por eles amado. A vida retribui aquilo que lhe damos.
A vida do Ruy não tem sido fácil! Mas ele é resiliente, e tem o dom de lutar contra as adversidades que vão surgindo.
Eu vou aceitar que o Cartão de Cidadão do Ruy tenha gravado 94 anos. Mas a idade metabólica dele é bastante inferior.
Quando for possível, lá iremos percorrer Portugal. O Ruy com a peça A Ratoeira, eu com uma exposição retrospetiva de uma percentagem mínima daquilo que tem sido a sua vida.
Tenho o privilégio de estar com o Ruy várias vezes. Fico deslumbrado quando andamos na rua, e o Ruy tem tempo, e vontade, de falar com todos o que o abordam (e são tantos).
Já aconteceu, mais do que uma vez, estarmos no meio da multidão que se aglomera à volta de Ruy. De repente, ouve-se o vozeirão do Ruy dizer: “Deixem passar o meu neto”! E todos se desviam para deixar passar o neto, inclusive eu. Inevitavelmente, acabo por cometer sempre o mesmo erro…
E nisto, ouve-se novamente a voz do Ruy, desta vez com os olhos postos em mim: “Então, não vens”?
Avô Ruy, que privilégio o meu considerar-me como neto.
“A vida deve ser um ato de amor e de entrega!” É um dos lemas de vida do Ruy de Carvalho.
Esta exposição é um pouco do muito que Ruy de Carvalho fez ao longo da vida.
Resta-nos agradecer-lhe por tanta entrega e por ter amado tanto a profissão que escolheu.
Obrigado, Ruy de Carvalho!
Querido neto,
Espero que a inauguração da Exposição de Homenagem ao Ruy de Carvalho tenha corrido bem.
Muitos parabéns pelo trabalho que fazes pela valorização dos mais velhos. Para que estes nunca sejam esquecidos!
Eu gostava muito de ter ido à inauguração. Mas enquanto não levar a segunda dose da vacina, vou-me mantendo recatada.
O nosso Ruy de Carvalho já tem 94 anos?!?!
Conheço o Ruy desde miúda (“é minha amiga de infância”, diz ele sempre que nos vemos), do tempo em que ele aparecia num pequeno café que então havia ao cimo da Av. Fontes Pereira de Melo, em Lisboa (há muito soterrado com todos os Centros Comerciais que lhe caíram em cima…), onde também paravam outros atores, e o meu tio Joaquim, que era um apaixonado por teatro e adorava ficar a ouvi-los. E eu ia com ele. E, pela sua mão, nunca faltei às estreias do Nacional, do Monumental, do Avenida, do Parque Mayer.
Lembro-me de ver o Ruy ao lado da Laura Alves, do Paulo Renato, do Villaret, da Madalena Sotto, sei lá de quem mais. E quando o encontrava na Paulistana lá lhe dizia: “Gostei muito”. “Nunca me mintas”, respondia ele. Mas era verdade. Eu gostava sempre muito.
E depois eu cresci, e assisti, com o meu primeiro namorado, àquela extraordinária aventura que foi o Teatro Moderno de Lisboa. E lá estava o Ruy. Ao lado da Carmen Dolores, do Armando Cortez, do Fernando Gusmão, do Rogério Paulo, etc.
E depois o cinema, e depois a televisão.
E agora, tantos anos depois, quando eu pensava que o Ruy tinha decidido parar um bocadinho… é vê-lo com uma energia imparável, seja na televisão ou no teatro.
Há pessoas assim. E é um gosto vê-las assim!
Um homem, aos 94 anos, a imaginar-se capaz de fazer uma digressão com a peça a Ratoeira, para qualquer ponto de Portugal, como quem vai de Lisboa a Cascais…
E de repente lembro-me da Carmen Dolores. Nada melhor para rematar esta crónica do que a recordar. No esplendor dos seus 96 anos, a exclamar numa entrevista que ouvi na rádio:
“Oh meu Deus, as coisas que eu fazia se tivesse 80 anos!”
Volto a dizer: há pessoas assim. E que bom que é tê-las na nossa vida.
O Ruy anda sempre num corrupio que só mesmo a sua juventude é capaz de aguentar.
Obrigada por incluíres o texto da tua avó Alice na Exposição de homenagem ao Ruy.
Agora vê se descansas!
Almoçamos no fim de semana?
Bjs
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