Dia 37.
Domingo, dia de suposto descanso, é dia de propostas alternativas para a quarentena. Bem sabemos que em quarentena há pouco descanso possível, mas ainda assim, a intenção é boa. Já fui pela música e pelos livros, hoje decidi sugerir documentários. Se nas séries ando sempre atrasada face ao que há de novo (só devorei há pouco tempo o Unorthodox na Netflix, sobre a comunidade de judeus ultra-ortodoxos em Nova Iorque e Sucession, sobre a sucessão num grande grupo de media), prefiro dedicar os meu pouco tempo a algo que me acrescente factos reais e mais um bocadinho de conhecimento sobre pessoas fascinantes e outros mundos.
Aqui ficam seis, que gostei muito. Todos estão disponíveis na Netflix, e os dois primeiros também foram agora publicados no Youtube. Optei por deixar de fora Pandemia, porque já foi sobejamente proposto.
The Abstract
Qual é a centelha que ilumina a criação? O que inspira quem faz do design uma arte? Como aprenderam e trabalham alguns dos melhores que marcam o nosso mundo nas suas várias disciplinas? Em The Abstract (Abstrato, em português), um documentário original da Netflix que já leva duas temporadas de 8 episódios, designers de topo ajudam a responder a estas e outras questões. Acho-a uma série obrigatória para quem gosta de arte, design e comunicação.
A lista dos participantes na primeira temporada (um por episódio) impressiona. Ora veja: Christoph Niemann, o ilustrador que faz muitas das capas memoráveis da New Yorker; Tinker Hatfield, o histórico designer dos ténis Nike; Paula Scher, a extraordinária designer gráfica que fez identidades, campanhas e design editorial icónicos; Platon, o ultratalentoso fotógrafo que faz os retratos das celebridades que figuram em muitas das capas da revista Time (se estiver a questionar-se porque é que fotografia é considerada design, cada uma destas imagens é pensada, desenhada e pós-produzida). Chega para convencer? Mas há mais: a designer de cenários e instalações Es Devlin, o arquiteto Bjarke Ingels, a designer de interiores Ilse Crawford e o designer de automóveis da Fiat Ralph Gilles. Na segunda temporada, os nomes são igualmente fascinantes. A não perder: Neri Oxman, arquiteta e bióloga israelita que é coordenadora do MIT Media Lab, nos Estados Unidos; e o extraordinário artista plástico Olafur Eliasson.
Data: 1ª temporada 2017; 2ª temporada 2019
Duração: Cerca de 45 minutos por episódio
Our Planet
Assistir a este documentário é simultaneamente, uma viagem de escapismo à volta ao mundo – a beleza quase virgem gelada dos polos, os desertos recônditos, as florestas tropicais selvagens, o mar mais profundo, os cumes das montanhas. Mas é também um banho de realidade sobre como o Homem está a destruir o Planeta. O pano de fundo de Our Planet (O Nosso Planeta, em português), é o impacto das alterações climáticas na Terra. Uma grande produção, feita em parceria com a organização World Wide Fund for Nature (WWF), que implicou quatro anos de trabalho, filmagens em 50 países diferentes e uma equipa de mais de 600 pessoas. O bónus é a narração do inigualável David Attenborough, que gravou esta série aos 92 anos. O realismo é tal que algumas das cenas podem ser perturbadoras. Uma das que mais impressiona é os pinguins a cair dos penhascos, para onde têm de subir em busca de alimento, para tentarem regressar ao mar.
Data: 2018
Duração: Cerca de 45m por episódio
What Happened, Miss Simone?
Há uma espécie de válvula de segurança para qualquer documentário: se a personagem retratada for verdadeiramente fascinante é difícil errar. É o caso neste filme documental. Nina Simone era genial, grandiosa, obsessiva, amargurada, contraditória, revolucionária. E, por isso, só poderia sair extraordinário, com base em imagens originais e entrevistas à família e amigos da cantora que nasceu na Carolina do Norte e que teve a sorte de estudar piano clássico desde criança. A carreira na música clássica ficou pelo caminho por ser negra, mas a fama não: Nina misturou o jazz, o blues e o piano e cantou por bares e clubes, mas acabaria consagrada nos grandes palcos dos Estados Unidos e da Europa, tornando-se pelo caminho uma porta voz dos direitos humanos. As suas letras eram, quase todas, statements políticos. Como tantas vezes acontece, a fama não a poupou ao sofrimento, pelo contrário: viveria relações atormentadas consigo própria e com os outros, numa luta com a bipolariadade, adição a drogas e álcool. “I put a spell on you”, cantou, e deixou-nos mesmo enfeitiçados.
Data: 2015
Duração: 1h42m
Get Me Roger Stone
Para se perceber o fenómeno do populismo político é fundamental ver este documentário, com tanto de fascinante como de repulsivo. É um tratado sobre os novos “spin doctors”, que usam as redes sociais para propalar mentiras e assim, eleger candidatos ou destruir outros. Roger Stone, que trabalhou na campanha de Nixon e o traz tatuado nas costas, é provavelmente o maior mestre dos manipuladores e dos estrategas políticos ultraconservadores. E também o mais infame. O que para ele, é um elogio. Vê-se como um agent provocateur. Uma das suas famosas regras é, aliás, a seguinte: “é melhor ser infame do que nunca ser famoso”. Como ele diz, a política é o showbizz para as pessoas feias, e é de espetáculo público que tudo se trata. “Eu compreendo a natureza humana e uso-a em meu proveito”, explica Stone.
O documentário foi inspirado num magnífico artigo da New Yorker escrito por Jeffrey Toobin, e demorou cinco anos a ser terminado. Sempre com a colaboração do próprio, que não se inibe de partilhar todos os seus golpes baixos. Para ele, os fins justificam quaisquer meios. A série atinge o clímax em 2016, com a eleição de Donald Trump para presidente dos Estados Unidos.
Data: 2017
Duração: 1h32m
Inside Bill’s Brain
O subtítulo diz ao que vem: descodificar Bill Gates. Se é impossível decifrar por inteiro uma das mentes mais brilhantes de todos os tempos, este documentário faz um bom exercício – embora só traga um ponto de vista, que é o dos admiradores confessos do próprio. Com acesso ao círculo íntimo da família e amigos mais próximos de Bill Gates, normalmente um homem bastante reservado, consegue-se vislumbrar como funciona a sua centelha de génio. Desde criança até aos dias de hoje, os três episódios são uma viagem a temas fascinantes enquanto o acompanhamos a perseguir soluções para os problemas mais complexos do planeta, em especial as alterações climáticas.
Data: 2019
Duração: 50 minutos por episódio
Rotten
Já vai na segunda temporada, mas só consegui ver ainda a primeira. Vale bem a pena. Rotten, produzido por uma equipa de jornalistas profissionais da zero Point Zero, impressiona… Mais um que torna difícil olhar para a comida processada da mesma forma. Cada episódio (são 6) versa sobre um produto e a sua cadeia de produção, com base em entrevistas com agricultores, fabricantes, distribuidores e outros elementos do circuito que vai da matéria-prima até ao nosso prato. Pelo caminho, ficamos a conhecer processos criminais que envolvem os produtos que comemos: há de tudo um pouco, da frade à corrupção. Frangos e aviários, amendoim, alho, abelhas, mel, leite: há de tudo um pouco.
Data: 1ª temporada – 2018; 2ª temporada – 2019
Duração: 55 minutos por episódio