O que se está a passar com alguns dos debates televisivos com os candidatos às presidenciais é inaceitável e mesmo escandaloso, em termos democráticos e de esclarecimento dos cidadãos. Não me estou a referir à sua qualidade, que em geral não é grande, mas à forma como tem sido permitido transformá-los em espetáculos que chegam a ser degradantes. E propiciadores de enorme injustiças e desigualdades, como se numa qualquer competição desportiva o infrator fosse sempre o beneficiado, quem aplica toda a espécie de golpes baixos não tivesse um “árbitro” a tentar impedi-los e/ou a puni-los, com esses golpes impedindo o adversário de jogar e dessa conduta imprópria colhendo ainda todos os benefícios. Como cidadão e como jornalista sinto-me indignado com o que está a ocorrer.
O que devia acontecer era, no mínimo, os debates para as presidenciais, para mais nas atuais circunstâncias que lhes dão importância redobrada, terem – e cada um deles ter – um “foco”, uma organização e uma moderação compatíveis com as boas regras democráticas e adequadas ao objetivo que visam prosseguir, conforme referi, em síntese, no comentário na última VISÃO. E esse mínimo tem, por sua vez, como mínimo dos mínimos, o respeito pelo outro, por o ouvir quando fala, por não o interromper e provocar sistematicamente, as mais das vezes com coisas que não têm nada a ver com a matéria em debate. Sem responder, ou também para evitar responder, ao que lhe é perguntado e interessa saber de um candidato presidencial.
Quem respeita as regras é silenciado, prejudicado, quase humilhado, perante a vozearia, a arruaça, de quem por sistema agressivamente viola as regras. Perante a passividade, a demissão da sua responsabilidade ou incompetência, se não a conivência, de quem no caso tem também a função de juiz ou árbitro – o(a) moderador(a). Acrescendo o facto de quem realiza quando há interrupções, e um constante despudorado “interrutor”, que, por exemplo, saca da pasta um papel qualquer, amiúde, para não dizer em geral, tira do ar a imagem de quem estava no uso da palavra e passa a dar a do dito “interrutor”, inimigo de um diálogo civilizado e desrespeitador da simples boa educação e decência.
Claro que estou a falar de André Ventura, e a escrever após mais um seu inqualificável “debate”, no caso com Marisa Matias (ontem, quinta-feira, na SIC). Marisa, que não soube opor-se com eficácia a tais truques e golpes baixos e cometeu também vários erros, inclusive o de se deixar arrastar para o seu terreno lamacento. Marisa que se não era capaz de fazer com que a surpreendentemente inexistente, e por isso péssima, moderadora, pusesse termo a tal degradante espetáculo, devia-se ter posto a pé e ido embora. O que aconteceu, e aqui não posso, claro, analisar mais em pormenor, inclusive na ótica do que deve ser, cívica e jornalisticamente, qualquer debate, em particular numas eleições presidenciais, o que aconteceu foi, repito, inaceitável e escandaloso.
Pergunto-me, aliás, se face a tal situação e para explicá-la, haverá alternativa a considerar além destas três: as direções dos media em que estas coisas ocorrem – a) serem incompetentes ou andarem tremendamente distraídos; b) quererem ou pelo menos não lhes desagradar as previsíveis consequências do que se está a passar; c) entenderem que tais “de bates” à Ventura são bons para as audiências…
Ventura está, desta e de outras formas talvez menos flagrantes, a ser levado ao colo por muito do que certos media estão a fazer. Até, por exemplo, na agenda dos debates. As coisas são encaminhadas, ou permite-se que elas se encaminhem, no sentido de ele estar no seu “centro”. Até a Marcelo Rebelo de Sousa, candidato Presidente, é perguntado sobre acusações ou ataques a si feitos pela chefe do Chega. E até Marcelo, que obviamente com a sua experiência e inteligência se “defendeu” (e atacou) melhor que outros, respondeu!..
E depois disto tudo vêm ainda outros media, inclusive os de serviço público, fazerem amiúde resumos e/ou comentários em que põem no mesmo plano o violador (das regras, dos princípios) e a vítima: interromperam-se mutuamente, por exemplo, ouvi e leio a propósito do debate com Marisa, como li a propósito do com João Ferreira; e mesmo do com Marcelo houve comentários frescos.
Um debate para as presidenciais é um ato muito relevante no plano político e da cidadania, e a nenhum nível pode ser visto, ou tratado, como um reality show em que quanto mais barulho, confusão, pouca vergonha, arruaça – melhor para as audiências. As ameaças de extremistas, de radicais, que não respeitam valores e princípios, muito menos democráticos, mas através de todo o tipo de mentira(s), de demagogia, do “populismo” mais baixo e indecoroso, vão conquistando adeptos – essas ameaças são reais. E começando de quase do nada, da construção de um “chefe” de pés de barro mas mãos de ferro e capazes de tudo, podem levar-nos às mais dramáticas consequências. Os exemplos históricos estão aí. E o que ainda agora aconteceu nos EUA com Trump, e acontece no Brasil com Bolsonaro, é exemplar…
Mal vai de um país em que quem não serve sequer para debates de elevados decibéis e baixíssimo nível sobre clubes de futebol, por isso tendo sido afastado do painel de um canal televisivo, agora assim perora, interrompe, desrespeita, ataca, domina (até certa “agenda”) em debates cujo objetivo devia ser, deve ser, esclarecer ideias e propostas dos candidatos a Presidente da República de Portugal.