Nas últimas semanas, vários meios de comunicação divulgaram dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostrando que uma em cada seis pessoas no mundo enfrenta a infertilidade em algum momento da vida. Essa prevalência – cerca de 17,5% da população adulta – confirma algo que observo diariamente na prática clínica: a infertilidade é muito mais frequente do que muitos imaginam.
E é fundamental dizer: a infertilidade está muito mais próxima do nosso círculo social do que parece. Atinge amigas, colegas, familiares – mas permanece oculta porque o sofrimento emocional associado é tão profundo que muitas pessoas não se sentem confortáveis para partilhar. No entanto, deveriam sentir-se seguras para falar. A partilha cria empatia, acolhimento e validação; além disso, saber que outras mulheres vivem o mesmo, alivia o peso psicológico que tantas carregam em silêncio.
A literatura científica demonstra claramente que o impacto emocional da infertilidade é comparável ao de doenças crónicas graves, estando associado a um maior risco de ansiedade, depressão e isolamento (Greil et al., Hum Reprod, 2011; Pasch & Sullivan, Fertil Steril, 2017). Nenhuma mulher deveria enfrentar isso sozinha. Por isso, reforço a importância de conversar com um médico, seja o médico de família, ginecologista ou especialista em reprodução, sobre o desejo de ser mãe. Quanto mais cedo for feita uma avaliação, mais cedo se identifica o problema e mais curto tende a ser o caminho para o sucesso.
Infertilidade: uma realidade de ambos os lados
Outro ponto essencial, raramente discutido, é que a infertilidade não é exclusivamente feminina. Mais de metade dos casos envolve fator masculino, isolado ou combinado (Agarwal et al., Reprod Biol Endocrinol, 2021). Os homens devem ser avaliados com o mesmo rigor. Quando não são investigados, perpetua-se um erro grave: o foco recai apenas sobre a mulher, que frequentemente é injustamente responsabilizada, o que agrava ainda mais o seu estado psicológico.
A infertilidade é, portanto, um assunto do casal – quando falamos de casais heterossexuais – mas é também uma condição que afeta mulheres solteiras e casais de mulheres, que podem igualmente enfrentar desafios no processo de procriação medicamente assistida.
Estamos a agir demasiado tarde
Existe ainda uma falta preocupante de informação dirigida às mulheres jovens. Deveria fazer parte da educação em saúde explicar que a possibilidade de criopreservar ovócitos entre os 25 e os 30 anos é uma decisão biologicamente estratégica. A insuficiência ovárica prematura, mais frequente do que se imagina, tem levado muitas mulheres jovens a depender de doação de ovócitos. Para muitas, este é um choque emocional avassalador que poderia ter sido prevenido com aconselhamento reprodutivo adequado anos antes.
É importante que as mulheres compreendam que a fertilidade não acompanha a maturidade emocional. Os ovócitos envelhecem connosco e não rejuvenescem. Esta é uma das conversas mais difíceis que um especialista pode ter com uma paciente que descobre, tardiamente, que precisará de recorrer a uma dadora.
O papel dos pais: uma mudança necessária
Os pais de raparigas têm um papel fundamental nesta mudança. Tal como se investe numa educação escolar ou universitária, é importante promover a informação e consciencialização sobre a fertilidade e opções reprodutivas. Neste contexto, a criopreservação de ovócitos pode ser apresentada como um possível “seguro reprodutivo”, algo que esperamos nunca ter de acionar, mas que, se algum dia for preciso, pode mudar destinos.
Infertilidade não escolhe classe social
A infertilidade afeta pessoas de todos os estratos sociais. Contudo, o acesso a tratamento continua desigual, e muitos acabam por abandonar o processo devido a limitações financeiras. É urgente reconhecer a infertilidade como um problema de saúde pública, garantindo acesso equitativo, financiamento adequado e ações eficazes de combate ao estigma.
Com oito anos de experiência em reprodução humana, baseio a minha prática em quatro pilares essenciais para maximizar as hipóteses de sucesso, sobretudo em casais que só podem financiar um único ciclo no setor privado:
1. Diagnóstico precoce
2. Avaliação da reserva ovárica
3. Avaliação integral do fator masculino
4. Planeamento individualizado do tratamento
Quando estes pilares são respeitados, o prognóstico melhora significativamente e reduz-se a taxa de abandono.
Portugal deve acompanhar o avanço internacional no PGT-A
É também importante refletir sobre a necessidade de Portugal acompanhar países como Espanha, EUA e Brasil, onde a realização de PGT-A (teste genético pré-implantação para aneuploidias) é permitida no setor privado, sem restrições de idade, em qualquer tipo de tratamento e utilizando ovócitos próprios ou de dadora.
É certo que clínicas que lidam com muitos casos complexos enfrentam realidades que talvez não reflitam a média nacional, mas que são reais, urgentes e merecem resposta.
Não seria justo que a legislação portuguesa protegesse a mulher submetida a processos de reprodução medicamente assistida emocionalmente exigentes – muitas vezes após recorrer a dois ou três dadores sem sucesso – permitindo o acesso a PGT-A? A experiência clínica mostra que muitas falhas repetidas poderiam ser evitadas caso fosse permitido identificar embriões aneuplóides antes da transferência.
É importante sublinhar que o recurso responsável ao PGT-A não é eugenia: não seleciona características, não escolhe o sexo do bebé; limita-se a identificar embriões aneuplóides, associados a um risco elevado de falha de implantação, aborto espontâneo ou desenvolvimento de fetos com anomalias graves.
Falar é poder! A mensagem final é simples e urgente: Conversem. Partilhem. Informem-se sobre a vossa fertilidade antes de existir um problema. Hoje pode não existir desejo de maternidade, mas o futuro muda – e os ovócitos envelhecem.
A infertilidade não é falha. Não é culpa. Não é vergonha. É uma condição médica que afeta milhões e que deve ser abordada com empatia, ciência e políticas públicas responsáveis, para que quem deseje ser mãe ou pai tenha uma oportunidade justa de o conseguir.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.