Apesar da conhecida expressão afirmar que “nada é mais certo neste mundo do que a morte”, poucos querem falar, ou sequer pensar nela. Para muitas pessoas, talvez para a maioria de nós, que crescemos nesta cultura e tempo, que progressiva e tendencialmente valoriza os aspetos materiais associados ao ter coisas, títulos, cargos e poder, e menos os que se referem à nossa existência enquanto pessoas, seres de relações, de fragilidades, de afetos, esse assunto é um “elefante na sala”. E isso nem sempre foi assim, mas a perda de influência da religião e as profundas e rápidas transformações verificadas na nossa sociedade levaram a que se estabelecesse o primado da quantidade de vida, como mais um aspeto a acrescentar, um número que se pretende grande. Noutros tempos, os mortos ficavam em casa a ser velados por familiares e amigos, e era habitual que as crianças integrassem essas cerimónias, ao contrário de agora, em que são afastadas, com o argumento de as “protegermos”.
Hoje tudo é diferente, e essa diferença faz com que seja omitido, aos mais novos, uma realidade que é natural: a morte faz parte da vida! E é dessa forma que tem de ser encarada. Se assim for, uma melhor compreensão da situação possibilitará a identificação de aspetos positivos num processo que está associado a sentimentos negativos, que são normais, como a tristeza. Quando o assunto aflora, o que acontece com frequência, pela morte de um familiar, de um animal de estimação, pela visualização de um qualquer conteúdo num dos diversos recursos disponíveis ou doutra maneira, os mais velhos reagem com insegurança e mostram inabilidade na gestão do problema. Na melhor das hipóteses, inventam uma história mais ou menos credível, mas ainda assim, falsa, o que pode, mais à frente, vir a comprometer a confiança em quem o fez, ainda que com a melhor das intenções. Ora, a verdade é essencial para um desenvolvimento harmonioso de qualquer ser humano, em qualquer fase da sua vida. E essa verdade pode assumir várias formas, adequadas à sua capacidade de compreensão e interesse, sendo que será sempre a melhor e mais ética estratégia. Nesse sentido, a questão que emerge está relacionada com a forma em como o fazemos, porque todos queremos o melhor para os nossos filhos.
Foi com esse objetivo que escrevi Mel, a elefante na sala, para ajudar, com verdade, a desocultar este assunto tabu, de uma forma acessível, educativa e sensível, criando uma envolvência que atraia a atenção e o interesse dos mais jovens, guiando-os numa descoberta que está rodeada de coisas positivas, como as recordações, que devem ser valorizadas para uma integração total das diferentes dimensões do fenómeno da morte e do morrer, de modo que a matéria deixe de ser difícil de abordar. O livro não tem respostas para todas as perguntas, porque também não podia ter. É um estímulo para falar sobre o tema, que tão preciso é.
Do meu ponto de vista, a visão negativa associada à morte, tem sido um obstáculo estrutural ao desenvolvimento dos Cuidados Paliativos, em Portugal. Não sendo verdade que os Cuidados Paliativos se restrinjam à morte – antes pelo contrário, eles centram-se na vida, na qualidade de vida até ao último momento da nossa existência, e assistem, também, no processo das perdas e da morte – ao haver essa associação, isso acaba por comprometer a desejável exigência social por esses cuidados, absolutamente essenciais.
Dessa forma, ao contribuirmos para melhorar a literacia sobre estas questões, talvez consigamos, no futuro, ter acesso a mais e melhores cuidados de saúde numa área tão carenciada, porque todos os dias há crianças, jovens, adultos e idosos a necessitarem destes cuidados, diferenciados e competentes.