Como acontece desde 2001, neste 11 de setembro vão multiplicar-se as recordações e homenagens às vítimas dos atentados que destruíram o World Trade Center. As imagens, 23 anos depois, ainda impressionam; e todos sabemos onde estávamos quando as torres gigantes se desmoronaram em direto à frente dos nossos olhos. Os quatro aviões desviados nesse dia 11 de setembro de 2001 resultariam em quase três mil mortos e anunciavam um século XXI cheio de tensões e violência.
Mas, pela primeira vez desde 2001, a memória desse dia traumático não vai dominar a agenda noticiosa que dos EUA se espalha por todo o mundo. Este 11 de setembro de 2024 é o dia que sucede ao tão esperado primeiro (e único?) debate entre os candidatos presidenciais às eleições de 5 novembro: Donald Trump e Kamala Harris.
Ainda antes dessa contenda no canal ABC uma coisa parecia-me absolutamente certa: ia chegar à rede social X (ex-Twitter) e, independentemente do que tivesse acontecido, os indefectíveis de Donald Trump que por aí abundam – insuflados pela estratégia do proprietário do X Elon Musk, já um apoiante declarado do candidato republicano – iriam dizer que ele ganhou o debate. Enganei-me. Esse é o tema, claro, mas poucos se arriscam a declarar Trump como vencedor (como aconteceu, de forma quase consensual, no debate que o opôs a Joe Biden no final de junho). Em vez disso, multiplicam-se os ataques ao canal televisivo ABC que organizou o debate: insinua-se que Kamala Harris teve acesso prévio às perguntas e denuncia-se uma espécie de julgamento de Trump, como se tudo não tivesse passado de uma armadilha (em vários momentos os entrevistadores fizeram fact checking às afirmações proferidas no debate). E, sim, não é difícil encontrar quem simplesmente diz que Trump arrasou e saiu vencedor. Mas não é essa a opinião da esmagadora maioria dos comentadores e especialistas, antes pelo contrário.
Com uma atitude serena, Kamala Harris soube várias vezes provocar e irritar o adversário. Convidou os espectadores a irem a um comício de Trump para perceberem como as pessoas os abandonam antes do final, cansadas e entediadas e recordou os muitos republicanos, alguns que trabalharam diretamente com Donald Trump na Casa Branca, que a apoiam. Trump acusou o toque e fez aquilo que, na comunicação política, é hoje quase um pecado capital: exaltou-se. Voltou a afirmar que venceu as eleições de 2020 (sem qualquer fundamento ou alegando novas provas de fraude) e não hesitou em levar para o debate um tema que no dia anterior fez as delícias dos inventores de memes nas redes sociais: na cidade de Springfield, no Ohio, imigrantes estariam a comer os animais domésticos da população. O moderador David Muir apressou-se a afirmar que segundo as autoridades da cidade não há nenhuma informação credível de que isso seja verdade. “Vi na televisão”, disse Trump.
As estratégias gerais foram as esperadas: o candidato republicano tentando mostrar que a agenda de Kamala é perigosamente esquerdista e “marxista”; a candidata democrata tentando sublinhar as fragilidades do adversário enquanto apresentava as suas propostas. Depois da economia (com Harris a desmentir o suposto sucesso da presidência de Trump nessa matéria), o direito ao aborto foi um dos temas centrais no debate e Trump, que não tem sido claro quanto a esse assunto, afirmou que não é “a favor” de uma proibição generalizada. Também o combate à imigração ilegal foi, como era esperado, resultou num dos momentos mais quentes do debate: Trump acusando Harris do descontrolo nas fronteiras e aumento generalizado da criminalidade (mais uma vez Trump foi interrompido pelo moderador que afirmou que segundo o FBI a criminalidade está a descer nos EUA), e a candidata democrata recordando que foram os republicanos, já este ano, a bloquear um pacote legislativo que visava reforçar a segurança fronteiriça…
Pode-se dizer que no conteúdo dos programas dos candidatos e nas propostas apresentadas não houve novidades no debate. A grande novidade, aliás, a dar força à campanha de Kamala Harris, aconteceria já depois do encerramento da conversa, quando a superstar Taylor Swift escreveu um post na sua conta no Instagram (assinando como “childless cat lady“, em referência ao ataque que o candidato a vice-presidente J.D. Vance fez a Kamala por ela não ter filhos). “Como muitos de vocês, vi o debate esta noite”, começou por escrever Swift. Denunciou as manipulações, usando Inteligência Artificial, que a mostraram nas redes sociais como uma suposta apoiante de Trump e a seguir não podia ser mais clara anunciando publicamente o seu voto em Kamala Harris e Tim Waltz, dizendo preferir a “calma” ao “caos” e sublinhando que acredita que a candidata democrata é a melhor para defender os “direitos” e as “causas” certas. No fim, despede-se com “amor e esperança” e sugere à sua legião de seguidores que, como ela, façam “uma investigação” sobre os dois candidatos e escolham em consciência.
Mas só uma coisa é certa neste momento: a incerteza quanto ao resultado final nas eleições de 5 de novembro. Muitos recordam que também Hillary Clinton venceu todos os debates contra Trump em 2016 e até teria mais votos populares do que os republicanos mas isso não significou uma chegada à Casa Branca. Donald Trump continua a ser um case study para quem se interessa por política e democracia. O homem que disse, em 2016, que podia disparar sobre as pessoas na Quinta Avenida e mesmo assim não perderia votos ainda pode surpreender o mundo em 2024?
(Texto publicado originalmente na newsletter Visão do Dia de 11 de setembro)