Nos últimos textos que publiquei neste mesmo espaço repeti ser urgente que o próximo Governo tenha a força, a maioria e a vontade para fazer acontecer. Agora que esse Governo tomou posse (sem maioria e ao que parece sem direito ao tradicional período de graça) estou expectante. Mas, enquanto não há obra para mostrar, há um tema que está a fazer-me alguma aflição. Não porque esteja a ser alvo desse tema, mas porque não consigo compreender o porquê da necessidade do retorno do serviço militar obrigatório.
Bem sei que o tema foi trazido para a agenda mediática pelo Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Gouveia e Melo, que ficou conhecido pelo trabalho que fez aquando do processo de vacinação da Covid-19. Mas, será que faz mesmo sentido “reequacionar o serviço militar obrigatório, ou outra variante mais adequada”, de forma a “equilibrar o rácio despesa/resultados” e “gerar uma maior disponibilidade da população para a Defesa”?
O fim do serviço militar obrigatório foi aprovado por um governo socialista e concluído por um governo social-democrata, em 2004. A obrigação foi extinta, mas o dever de defender a Pátria manteve-se com a profissionalização das Forças Armadas. Obrigados, ficaram apenas os cidadãos que completam 18 anos e que têm de comparecer ao “Dia da Defesa Nacional”. Um dia onde os jovens têm a oportunidade de conhecer a Defesa Nacional por dentro e o trabalho desenvolvido pelas Forças Armadas. “Um momento de sensibilização para a importância da Defesa Nacional, o seu caráter multidimensional, com componentes militares e não militares, promovendo uma consciencialização no sentido de reconhecerem que a “Defesa Nacional é um dever de todos””, lê-se aqui.
Com os jovens livres para decidirem sobre o seu futuro e com as notícias há muito a revelarem um estado de pré-falência das Forças Armadas, é de questionar porque não conseguem os três ramos das Forças Armadas atrair algum do talento que vive o “Dia da Defesa Nacional”?
De igual modo, é de questionar se ao colocar-se o serviço o militar obrigatório ao invés de melhorar as condições de recrutamento e retenção de talento não é fugir ao problema?
Percebo que a Europa tem de se militarizar, que as ameaças estão à porta. Hoje assistimos à guerra em direto, a ataques precisos que são feitos com recurso a drones e outras tecnologias sofisticadas, que conseguem iludir o inimigo. Fará sentido engrossar fileiras com pessoas? Fará sentido todos os custos inerentes a esse “cerrar de fileiras”? Não fará mais sentido responder à necessidade com outros tipos de “oferta”?
Portugal há muito que encerrou a sua indústria de armamento e munições. As tentativas para modernizar a Base Tecnológica e Industrial de Defesa falharam. Não estará na hora de reativar/rever planos e em vez de responder com cidadãos, fazer avançar Inovação & Desenvolvimento?
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