O cancro é atualmente a segunda principal causa de morte a nível global, sendo ultrapassada apenas pelas doenças cardiovasculares. De acordo com as estimativas mais recentes, o cancro da mama é o mais comum entre as mulheres. No entanto, temos vindo a assistir a uma diminuição progressiva na mortalidade deste tipo de cancro, que pode ser atribuída aos progressos em termos de diagnóstico e tratamento.
O tratamento para o cancro da mama engloba várias opções, tais como quimioterapia, radioterapia, cirurgia, hormonoterapia, imunoterapia e medicamentos direcionados. Embora estes sejam eficazes, podem levar a efeitos secundários que afetam as mulheres a nível físico, emocional e psicológico. Alguns destes efeitos podem persistir durante longos períodos, tais como os sintomas de fadiga, o linfedema e a neuropatia periférica. Por exemplo, o linfedema afeta cerca de 10% das mulheres diagnosticadas com cancro da mama, causando sintomas como dor e dormência no braço do mesmo lado da mama afetada [1]. A grande maioria dos casos de linfedema manifestam-se nos primeiros 24 meses após o tratamento, sobretudo aquele que envolve a dissecção dos gânglios linfáticos axilares e a radioterapia adjuvante [1]. Contudo, o linfedema pode também ocorrer como efeito secundário a longo prazo, podendo emergir passados mais de dois anos após a cirurgia [2]. Da mesma forma, sintomas tais como sensações de formigueiro podem continuar a estar presentes anos após a quimioterapia num quarto das doentes com cancro da mama que desenvolveram neuropatia periférica, e cerca de um quarto das mulheres com cancro da mama experienciam fadiga severa [3]. Para além disso, a fadiga é um dos sintomas mais prevalentes e limitantes durante o tratamento, e embora, em muitas pessoas, a fadiga severa diminua substancialmente nos primeiros seis meses após o tratamento, em algumas, este sintoma persiste, chegando a prolongar-se por cinco anos [4].
Estes, e outros, efeitos secundários do tratamento tendem a levar a uma redução muito significativa nos níveis de atividade física e capacidade funcional, que se caracteriza, entre outras alterações, por uma diminuição da aptidão cardiorrespiratória a um nível equivalente a uma década de envelhecimento [5]. O tratamento também pode diminuir a força muscular, interferir com o equilíbrio e modificar negativamente a composição e imagem corporal. Tais alterações físicas podem ter um impacto negativo na autoestima, no bem-estar, na autonomia e na qualidade de vida da mulher, atrasando o seu retorno completo à vida social e profissional.
Atualmente, a ciência confirma que a prática da atividade física durante e após o tratamento é uma estratégia segura e eficiente para minimizar estes efeitos secundários provocados pelas terapias. Estudos promovidos pelo ONCOMOVE® permitiram concluir que a prática de exercício durante a quimioterapia permite a melhoria da capacidade funcional e previne o agravamento significativo dos sintomas de fadiga e da qualidade de vida em mulheres com cancro da mama [6]. Inúmeros estudos científicos permitem atualmente afirmar que a prática de exercício físico durante e após o tratamento oncológico melhora a aptidão física, a composição corporal, a qualidade de vida, além de reduzir sintomas como a fadiga, ansiedade e depressão. Para além disso, contribuem para uma melhor saúde óssea e qualidade de sono, inquietação comummente reportada durante e após o tratamento. Acresce a estes benefícios, ainda a capacidade do exercício físico para aliviar os sintomas de dor neuropática [7], assim como diminuir os sintomas e incidência de exacerbações de linfedema [8]. Mais recentemente, estudos têm destacado os benefícios do exercício físico realizado antes dos tratamentos, uma estratégia denominada de “pré-habilitação”. Esta abordagem pretende melhorar o estado físico da paciente antes do tratamento, com o intuito de minimizar complicações e acelerar a recuperação após a sua conclusão. Em mulheres com cancro da mama, a pré-habilitação tem mostrado resultados promissores em termos de melhoria da função cardiorrespiratória e recuperação pós-cirúrgica [9].
Face aos seus benefícios cada vez mais amplamente reconhecidos, são várias as associações profissionais da área da medicina oncológica e desportiva que atualmente recomendam a prática de exercício físico a todas as pessoas que vivem com e para além do cancro. De uma forma global, todas as pessoas que vivem com e para além do cancro da mama devem evitar a inatividade física durante todo o seu percurso terapêutico e são recomendadas a realizar exercício aeróbio e exercício de força muscular para obter benefícios de saúde. A frequência, duração, intensidade, tipo e volume de exercício a realizar dependem do desfecho de saúde que se pretende melhorar, assim como das características individuais da praticante, como o nível de aptidão física inicial, o tipo de cancro e regime de tratamento, a presença comorbilidades e sequelas do tratamento. Para assegurar uma participação segura e obter ganhos de saúde, o fundamental é que a prescrição de exercício seja assegurada por uma equipa clínica multidisciplinar com profissionais de exercício físico devidamente habilitados na área do exercício em oncologia.
1. Rockson, S.G., Lymphedema after breast cancer treatment. New England Journal of Medicine, 2018. 379(20): p. 1937-1944.
2. DiSipio, T., et al., Incidence of unilateral arm lymphoedema after breast cancer: a systematic review and meta-analysis. The lancet oncology, 2013. 14(6): p. 500-515.
3. Kamgar, M., et al., Prevalence and predictors of peripheral neuropathy after breast cancer treatment. Cancer medicine, 2021. 10(19): p. 6666-6676.
4. Abrahams, H.J.G., et al., Risk factors, prevalence, and course of severe fatigue after breast cancer treatment: a meta-analysis involving 12 327 breast cancer survivors. Ann Oncol, 2016. 27(6): p. 965-974.
5. Scott, J.M., et al., Exercise Therapy and Cardiovascular Toxicity in Cancer. Circulation, 2018. 137(11): p. 1176-1191.
6. Antunes, P., et al., Effects of exercise training on cardiac toxicity markers in women with breast cancer undergoing chemotherapy with anthracyclines: a randomized controlled trial. European Journal of Preventive Cardiology, 2023: p. zwad063.
7. Guo, S., et al., Effects of exercise on chemotherapy-induced peripheral neuropathy in cancer patients: a systematic review and meta-analysis. Journal of Cancer Survivorship, 2023. 17(2): p. 318-331.
8. Schmitz, K.H., et al., Weight lifting in women with breast-cancer–related lymphedema. New England Journal of Medicine, 2009. 361(7): p. 664-673.
9. Yang, A., J. Sokolof, and A. Gulati, The effect of preoperative exercise on upper extremity recovery following breast cancer surgery: a systematic review. Int J Rehabil Res, 2018. 41(3): p. 189-196.
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