Luís Valadares Tavares e João César das Neves lançaram “Portugal – Porquê o País do Salário Abaixo de Mil Euros?”, um livro onde conversam sobre a evolução do país nas últimas décadas e os grandes bloqueios que impedem a realização das reformas indispensáveis ao progresso e ao crescimento económico.
Na semana do arranque do ano letivo em muitas escolas portuguesas, aqui fica o trecho sobre educação (adaptado para texto de opinião), com a opinião de Luís Valadares Tavares.
Durante os últimos 50 anos a educação foi um bom barómetro das transformações do próprio país. Na verdade, convém ter presente que o acesso aos níveis pós-primários era muito limitado no anterior regime, até ao primeiro grande momento de transformação com a reforma de Veiga Simão de 1972, sendo curioso referir que foi a primeira vez que se potenciou a tecnologia entre nós, com a famosa tele-escola, emitindo lições por televisão, o que permitiu alargar o 2.º ciclo a populações de estudantes que iriam ficar, tradicionalmente, limitadas ao 1.º ciclo de escolaridade.
Desde os anos 1970 e 1980 a taxa de escolarização – medida pela percentagem de jovens que, estando no intervalo de idades considerado, frequentam dado ciclo de estudos – tem aumentado rapidamente.
De 1988 a 1998, os sucessivos programas comunitários (PRODEP) permitiram níveis de investimento apreciáveis e superiores a 500 milhões de euros/ano, mas infelizmente os novos programas comunitários deixaram de estar orientados para o investimento nas escolas, o que se exemplifica pelo valor inscrito para investimento em 2019: apenas 84 M de euros no orçamento global de despesa de 6400 M de euros do Ministério da Educação.
A generalização da educação baseou-se no rápido alargamento da rede escolar e no crescimento do número de docentes dos níveis pré-escolar, básico e secundário, evoluindo de 108 000 em 1980 para 151 000 em 2021, o que permitiu reduzir o número médio de alunos por docente de 17 para 10. Todavia, existem desequilíbrios evidentes entre áreas, com elevada escassez em temas como a Matemática, as Ciências e a Informática.
O Ministério da Educação tem primado por modelo burocratizado e centralizado da gestão deste imenso corpo profissional, sua contratação e avaliação, agravando problemas endémicos
O Ministério da Educação tem primado por modelo burocratizado e centralizado da gestão deste imenso corpo profissional, sua contratação e avaliação, agravando problemas endémicos e acentuados pelo não reconhecimento devido do tempo de serviço prestado, o que explica o mal-estar bem revelado nas vastas greves em curso no ano de 2022/23, devastando um terceiro ano lectivo após o deserto resultante da pandemia de 2020 a 2022.
Na verdade, a gestão dos docentes continua a enfermar de erros sistémicos, podendo citar-se o caso da formação contínua, em que os conteúdos utilizados para prossecução na carreira nem sempre correspondem à melhoria do ensino. Tal é, por exemplo, o caso do e-learning, quase ausente dos temas adoptados (Silva, 2022).
As causas de problemas graves
Infelizmente a generalização da educação não está a ser bem conduzida. As últimas duas décadas foram especialmente marcadas por problemas graves, em boa medida resultantes de cinco grandes equívocos em que vive o Ministério da Educação:
1.º Equívoco: admitir que tem o direito de estabelecer linhas doutrinárias para o ensino nas mais variadas áreas, não entendendo que não é aquilo que o ministro pensa que interessa, mas sim o que os colégios independentes de especialistas defendem.
Talvez o melhor exemplo recente seja o ministro João Costa impor um novo programa de Matemática A (no ensino secundário), o qual merece os piores comentários da Sociedade Portuguesa de Matemática no seu parecer de 16 de Janeiro de 2023:
«O documento é omisso, vago, impreciso e desestruturado, indicia um grande retrocesso no ensino da matemática ao adoptar, agora, para a Matemática A opções muito próximas, mas menos estruturadas do que as tomadas nos finais do século passado, algumas delas já amplamente criticadas desde os fins do século XX por se terem revelado nefastas no ensino da Matemática, como, por exemplo, o uso intensivo de calculadoras ou de meios tecnológicos para formular conjecturas sem a devida validação por processos analíticos.»
E ainda:
«Globalmente, este documento põe em causa os progressos no ensino da Matemática duramente conquistados, nas últimas duas décadas, pelos alunos, com o indispensável empenho dos professores e famílias portuguesas, e configura um retrocesso a atitudes características daquilo que de pior teve o ensino em Portugal no final do século passado. A superficialidade no tratamento de vários temas, suportado apenas na intuição, a supressão/amputação da aquisição progressiva de conhecimentos e do desenvolvimento de capacidades que permitam alcançar um meio favorável ao desenvolvimento do raciocínio lógico ou hipotético-dedutivo dos alunos, foram problemas identificados como erros graves nas anteriores AE (um retrocesso relativamente aos Programas e Metas Curriculares) e que se mantêm nestas novas AE.»
Note-se, aliás, que a actual orgânica do Ministério não inclui nenhum centro de pensamento independente tal como é patente na sua lei orgânica mas, paradoxalmente, considera-se, sim, detentor do saber e da verdade, quiçá por iluminação divina.
2.º Equívoco: delegar nas instituições de Ensino Superior que formam professores o critério da sua selecção para serem contratados, a qual se baseia apenas nas médias finais, não aferidas e sujeitas a dinâmicas de competição, designadamente daquelas que lutam pela sobrevivência. Aliás, o absurdo chega ao ponto de tal nota de término do curso continuar, ao longo da carreira, a ser factor de avaliação!
Não se conhece outro país com este regime, o qual foi interrompido apenas por breve período com o ministro Nuno Crato (2011-2015).
3º Equívoco: considerar que o Ministério da Educação é o super-gestor das escolas, inundando-as de requisitos burocráticos inúteis, e considerando que tem de aprovar ou homologar as mais simples decisões, originando miríades de despachos da estrutura central do Ministério, tal como se exemplifica pelo despacho (11196/2022) da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares relativo à nomeação de adjunta do director do agrupamento de escolas de Odemira datado de 2 de Julho, pelo que não surpreende que só no 1.º semestre de 2022/23 já tenham ultrapassado os 11 mil despachos! Será este o modelo de descentralização proposto?
4.º Equívoco: não considerar seu dever prestigiar a função de docente, atribuindo-lhe as remunerações devidas e não a preterindo em relação a outras profissões, como se confirma com a recusa de considerar os reais tempos de serviço, ao contrário do que é aceite para outras funções públicas.
Esta orientação conduziu à desvalorização e consequente proletarização dos docentes, com os resultados bem visíveis nas greves de 2022/23.
5.º Equívoco: não zelar pela disciplina e exigência do ensino, tornando a reprovação quase impossível, e não estimular a excelência, o que é bem comprovado pela não generalização dos Quadros de Honra. Esta orientação também é bem exemplificada pelo “horror” aos exames bem ilustrado pelo recente Decreto-Lei 27-B/2022 de 22 de Março.
Conclusão: resultados a piorar e assimetrias crescentes
Em suma, o actual Governo não entende que deixar à diversidade e até à aleatoriedade de critérios das avaliações internas:
a) A passagem de ciclo para prossecução de estudos aumenta o risco de passagem de alunos sem a necessária preparação, o que irá dificultar o seu sucesso futuro;
b) A ausência de diplomas no final dos ciclos com a devida crebilidade inerente à aferição nacional apenas irá prejudicar a inserção na vida activa de tais jovens.
Novos rumos de qualidade e sucesso implicam a inversão das actuais orientações do Ministério da Educação, ou seja, usando a metáfora informática, clicar ctrl+alt+delete e reiniciar o sistema
Em conclusão, justifica-se considerar o actual Ministério de Educação como o principal factor de desvalorização da nossa escola pública estando, no ano lectivo de 2022/23 a dar especial prioridade a três frentes de desqualificação da escola pública;
a) Piorando e degradando os currículos fundamentais como o de Matemática;
b) Desorganizando e desprestigiando corpo dos professores;
c) Minimizando o valor e a importância das provas de avaliação.
Os efeitos desta ofensiva em três frentes contra a escola pública são devastadores no agravamento das desigualdades e na redução de competências, pelo que só com novas orientações será possível iniciar um caminho de reconstrução que será penoso e longo.
Não surpreende, pois, que os resultados no que toca a aquisição de conhecimentos em Portugal, aferidos pelo projecto PISA da OCDE, estejam a piorar nas três dimensões mais importantes (PISA, OCDE, 2012, 2015 e 2018) desde 2015 [literacia, matemática e ciências].
No que respeita à desigualdade, também as assimetrias são crescentes, como se pode concluir da análise dos resultados aferidos do topo do Ensino Secundário, evidenciando que não só aumenta a distância entre privado e público, mas também dentro do público. Como é evidente, o “horror” aos exames irá aumentar as desigualdades.
Por último, convém referir que a Covid 19 também agravou as desigualdades, sobretudo porque o Ministério não se interessou pela utilização das plataformas de ensino online (talvez por serem privadas), não desenvolveu atempadamente a informatização das escolas e, por último, a própria tarifa social da Internet, que reduziu significativamente os preços, só surgiu muito limitada, e apenas em 2022.
Os anos de 2020, 2021 e 2022 também não serão recuperados em 2023, atendendo ao quase colapso do funcionamento do Ensino Básico e do Secundário, o que está, aliás, a originar números de pedidos de inscrição em escolas privadas sem precedentes no passado.
Em geral, as políticas educativas orientadas para a melhoria dos resultados médios agravam as desigualdades, e aquelas que apostam na redução destas, pioram as médias. No caso deste Governo, consegue atingir o pior dos dois mundos: maiores desigualdades e piores resultados médios!
Em conclusão, as políticas actuais do Ministério da Educação são o principal factor de desvalorização e de desqualificação da escola pública.
Novos rumos de qualidade e sucesso implicam a inversão das actuais orientações do Ministério da Educação, ou seja, usando a metáfora informática, clicar ctrl+alt+delete e reiniciar o sistema.
Nota:
Os autores escrevem com a antiga ortografia
Referências:
OCDE, PISA, OCDE, 2012, 2015 e 2018.
Silva, N., 2022, « A potenciação do e-learning no Ensino Básico e Secundário», tese de doutoramento, Universidade Lusíada.