“Entro na casa de banho das mulheres e está lá um homem. O pânico! O horror! A tragédia!” Assim poderia começar a história daqueles que se opõem fortemente às casas de banho neutras em género ou aos direitos das pessoas trans, mas este homem estava só a trocar a fralda ao seu bebé.
Talvez por me ter tornado tia recentemente, comecei a reparar em como, por norma, os fraldários dos espaços públicos estão em sítios só acessíveis a mulheres. Em restaurantes, estações de serviços, espaços de eventos, etc. Cheguei mesmo a reparar que a própria simbologia assim o apontava, quando, nas raras vezes em que havia indicação de fraldário na casa de banho dos homens, o pequeno cartaz tinha uma mulher a trocar a fralda ao bébé.
Já assistimos muitas vezes a esta situação: um casal chega ao restaurante com um bebé. Pedem e quando a comida chega a mãe está a dar de mamar. Mal acaba de dar de mamar, o bebé precisa de trocar a fralda. O pai que esteve a comer oferece-se para ir ele ao fraldário – pode parecer estranho para alguns leitores, mas os pais conseguem, de facto, trocar fraldas. Chega à casa de banho do restaurante e tem a seguinte opção: ou vai à casa de banho das mulheres, onde está o fraldário, ou vai pedir à companheira, que só agora vai começar a comer o prato já frio, para ir ela trocar a fralda ao bebé. Este é apenas um dos cenários… Há também o cenário do pai solteiro ou divorciado que está sozinho com o bebé, o cenário do casal gay, o cenário do avô sozinho com o neto ou do tio a fazer de babysitter, etc.
Confesso que pouco ou nada me importa partilhar a casa de banho com o género oposto. Acho mesmo “genial” a argumentação de que os homens se irão comportar como seres selvagens numa casa de banho partilhada com mulheres, especialmente quando é um argumento usado por homens como se estivessem a falar de uma espécie alien. Por isso, a meu ver, o principal problema de os fraldários serem nas casas de banho das mulheres não é estarmos a obrigar os homens com bebés a lá entrar. O problema é a mensagem que transmite – cuidar dos filhos é uma tarefa apenas dedicada às mulheres – e a “desculpa” que cria para que alguns homens continuem a manter essa responsabilidade nas mulheres: “Eu até queria ir trocar a fralda, mas o fraldário está só na casa de banho das mulheres… por isso tens de ir tu”.
Numa sociedade em que estamos a alargar o período de licença paternal, estamos a criar novos incentivos para que os homens a queiram usufruir, em que defendemos novos modelos de parentalidade (como a adopção e co-adopção por casais gays), em que damos passos largos para melhorar as condições de igualdade das mulheres no mercado de trabalho, não podemos permitir estes sinais, no seu sentido literal e figurativo.
Há diversas soluções para este problema: passar o fraldário para um espaço neutro, meter fraldário também na casa de banho dos homens, retirar a indicação de género das casas de banho, etc. E certamente não se vai resolver de um dia para o outro, ou em todos os locais públicos… mas, peço aos políticos progressistas que querem uma sociedade mais paritária, e mesmo aos políticos conservadores cheios de pânico de haver um homem na casa de banho das mulheres, que, por favor, resolvam este assunto de cocó.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR
Elon Musk, o Twitter e o custo da democracia
Lei da Paridade: Porque é insuficiente, em três pontos
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.