Desde que ontem chegou a Lisboa, Jorge Bergoglio não tem parado de citar escritores e poetas portugueses, de Camões a José Saramago, de Sophia a Daniel Faria… As escolhas têm, é claro, o dedo inspirador de José Tolentino Mendonça – cardeal português que, na Cúria, foi nomeado prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação – e só dizem da inteligência de Francisco. Em Roma ou noutro lado qualquer, Papa ou não Papa, são superiores os que sabem rodear-se dos melhores e tirar destes o que de mais verdadeiro têm para dar.
Do extraordinário discurso do Centro Cultural de Belém, perante as mais altas autoridades do País, às palavras que proferiu, no Mosteiro dos Jerónimos, dirigindo-se às figuras principais da hierarquia da Igreja Católica, Francisco foi claro, direto e transparente
Apesar da sua evidente fragilidade, não é possível dizer que Francisco seja um rei fraco, como dizia Camões do pobre D. Sebastião, enaltecendo “a forte gente” do povo português. O Papa não esconde, tão-pouco tenta disfarçar, a sua condição física – e isso, em vez de representar um sinal de fraqueza, constitui um exemplo; para os que, no meio do turbilhão, conseguirem ler o que interessa, um sinal de força. Crentes ou não crentes, não é esse, afinal, o poder dos grandes líderes? A este propósito, há uma historieta engraçada que se conta sobre Francisco. Não sei se de facto aconteceu, muito menos em que circunstâncias, mas vale a pena contá-la, parece-me (lição do grande John Ford: “na dúvida, imprima-se a lenda”). Perante os inúmeros problemas de saúde que tem tido, alguém lhe terá perguntado se ele se sentia capaz de prosseguir com o pontificado ou se, ao invés, poderia vir a abdicar, como fez Bento XVI. Com o sentido de humor e a boa disposição que se lhe conhece, Bergoglio ignorou o que a pergunta insinuava e respondeu prontamente: “O Papa não governa com as pernas, governa com a cabeça!”
Do extraordinário discurso do Centro Cultural de Belém, perante as mais altas autoridades do País, às palavras que proferiu, no Mosteiro dos Jerónimos, dirigindo-se às figuras principais da hierarquia da Igreja Católica, Francisco foi claro, direto e transparente. Se José Ornelas, o bispo que impulsou a criação da comissão independente para estudar os abusos sexuais na Igreja Católica portuguesa, reafirmou “o compromisso de defender as crianças de qualquer espécie de abusos”, Francisco referiu-se aos abusos como algo que “desfigura” a “o rosto da Igreja” e origina sentimentos de “desilusão” e “aversão”. Quando saiu dos Jerónimos, supostamente para descansar, reuniu-se com 13 vítimas que aceitaram dar o seu testemunho. Escutou uma a uma, abraçou-as uma a uma, comoveu-se, pediu perdão, em seu nome e em nome da Igreja portuguesa. O encontro decorreu fora dos holofotes e apenas ao princípio da noite a Conferência Episcopal Portuguesa deu notícia disso.
Em suma, invertendo a habitual frase feita, Francisco foi, neste primeiro dia em Lisboa, forte com os fortes e fraco com os fracos. E isso não só chega e basta como conclusão como diz muito do estilo de líder que Jorge Bergoglio é.