O cerco à nossa saúde mental aperta e estrangula. A escassez já se instalou e o bombardeamento é tal que a reabilitação coletiva vai prolongar-se muito para lá do pós-guerra. Depois da pandémica bomba de denotação prolongada, agora é Putin que avança sobre as nossas mentes. A culpa não é apenas do cleptocrata, este é um exército improvável de inimigos: marcham os russos invasores nas nossas cabeças e a seu lado nós próprios, em autoexposição constante à informação da guerra, 10 horas diárias online viciados no doomscrolling. Com as defesas mentais desgastadas, este é o combustível da resposta emocional global, de enorme stress e ansiedade, à invasão da Ucrânia, e que se chama Headline Stress Disorder.
Se estes 15 dias de conflito lhe trouxeram insónias, dificuldade de concentração, taquicardia, impotência, frustração, problemas gastrointestinais, medo, culpa e quebra de produtividade, seja mal-vindo às fileiras dos ansiosos de guerra que se movem no terreno que a pandemia minou – em 2020, as perturbações de ansiedade e a depressão passaram dos 548 milhões mal contados de 2019, para perto de 677 milhões também de soma curta. Um acréscimo de cerca de 25%, diz a OMS: mais 76 milhões de ansiosos e mais 53 milhões de deprimidos. 2021 terá sido ainda pior.
A Headline Stress Disorder não é um diagnóstico médico per se, é um estado e (ainda) não uma doença, mas a permanência nesta vigília noticiosa em modo fight-or-flight é o passo prévio à instalação de doenças mentais e físicas, como a ansiedade e a depressão, problemas endocrinológicos e hipertensão. Para muitas pessoas, o constante consumo de notícias e social media é como um cerco bélico sem fim. Batizada em 2016 pelo psicólogo norte-americano Steven Stosny, para definir a ansiedade extrema provocada pela exposição à cobertura mediática das eleições presidenciais e subsequente vitória de Trump, a atualidade desta síndrome é óbvia, e a sua arma são os smartphones. No último trimestre de 2021, o mundo passou 650 biliões de horas ao ecrã do telemóvel, nas redes sociais e em apps de comunicação e de edição.
Mas como é que esta coligação entre a guerra e a sua cobertura informativa provoca mais uma detonação na saúde mental? Somos seus soldados ou prisioneiros? Ambos.
Por um lado, o nosso cérebro não consegue processar a quantidade de informação que consumimos: recebe 11 milhões de informações por segundo, e nesse micro-intervalo só consegue processar conscientemente 40. Por outro lado, a engenharia cerebral estrutura-se na procura de recompensas e na evitação do perigo, mas esta tem prevalência. Sempre à procura de ameaças, o cérebro concentra-nos nos factos e informações negativas, pesadas, stressantes, no doomscrolling: a guerra é terreno fértil para as nossas arqui-inimigas incerteza e imprevisibilidade e, na procura de algum (falso) controlo, fixamo-nos na monotorização das notícias. O que nos deixa à mercê da impotência, incapazes de transformar a informação em ação e parar a guerra. O ataque final é da culpa de continuar a viver quando os ucranianos mal sobrevivem, e ficamos perigosamente perto da ansiedade instalada, da depressão e até do stress pós-traumático.
À terceira noite da guerra, eu continuava sem dormir, como se a minha vigília impedisse a invasão de Kyiv. Resisti à pandemia exemplarmente, mas tenho sido baixa psicológica deste conflito. A verdade é que para o cérebro, a guerra faz mais sentido é um perigo maior do que o coronavírus: este não tem agenda ou estratégia; no conflito há um mau, há os bons e a nossa posição. Somos vítimas secundárias da invasão, mas temos de resistir.
No nosso cérebro, há uma guerra química para vencer: em vez do doomscrolling e do stress produtor de cortisol, temos de consumir menos informação e viver, libertar as “hormonas da felicidade” – dopamina, serotonina, ocitocina e endorfinas. E há uma operação logística que depende do nosso empenho: recolher, doar, organizar, fazer voluntariado, acolher os refugiados, manifestar-nos e mudar o curso do conflito.
Não há como estimar o impacto de mais esta disrupção na saúde mental mundial. Para já, cada um de nós é general e resistente da sua guerra mental. Não queremos os russos na Ucrânia. E não podemos aumentar as fileiras da depressão e da ansiedade.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.