O atletismo nacional está de parabéns. Foram três as medalhas de ouro ganhas por atletas portugueses nos europeus de pista coberta, que decorreram em Torun, na Polónia. Auriol Dongmo, Patrícia Mamona e Pedro Pichardo, todos eles trouxeram a medalha mais cobiçada na sua especialidade. Emocionados, vimos o olhar lacrimejante de todos eles ao subir ao pódio, a cantar o hino, a fitar a bandeira.
Mas a melhor medalha que estes atletas nos trouxe foi a dor de cabeça a que obrigam os nacionalistas radicais na digestão deste tremendo feito. Sim, uma é de ascendência angolana, a outra é de nascimento camaronesa, e ele nasceu em Cuba: contudo, todos são portugueses. Ao seu trabalho, ao seu suor e ao seu esforço devemos esta proeza até agora nunca vista.
Há poucos dias revi o filme Race sobre Jesse Owens, o excecional atleta norte-americano que brilhou em 1936 nos Jogos Olímpicos de Berlim. A ideologia insana de Hitler recebia uma lição magistral com a conquista de quatro medalhas de ouro por este atleta negro, obrigando o ditador a não cumprimentar os vencedores, ao contrário do previsto.
Estamos longe de uma situação comparável à de Berlim da época nazi. Mas quando se ouve um “vai para a tua terra”, devemos recorrer a todos estes exemplos para que não nos habituemos ao racismo, achando-o tolerável. A estas medalhas devemos juntar Eusébio e Nelson Évora, entre tantos outros que levaram o orgulho nacional muito alto, sem que tivessem nascido em Portugal.
Para além dos feitos desportivos, este dia de ouro é pedagogicamente muito importante. João Gobern deu uma aula magistral no seu comentário televisivo sobre desporto ao chamar à atenção para o que estas medalhas representam. Com elas devemos pensar muito bem no que é Portugal e no que queremos que ele seja nestes dias em que racismo e discriminação parecem cativar cada vez mais eleitores.
Portugal sempre foi um porto de muitas origens. Qualquer português que faça uma das agora na moda análises ao seu ADN verá que tem nos seus genes uma mistura riquíssima de origens. Os nossos genes mostram que somos tanto de mundo que é toda uma história e uma epopeia de encontros, sejam os que tiveram lugar aqui, sejam os que ocorreram por todo o planeta.
Sim, somos celtas, somos cristãos, somos judeus, somos muçulmanos, entre tantas religiões. Tal como somos escravos e senhores. As nossas origens são europeias, mas também são de África, do Médio Oriente, do Brasil, da Ásia e, se mais mundo houvesse, ele estaria espelhando no que somos.
E é essa a nossa riqueza. Por vocação, tantas vezes, por desgraça, tantas outras, pertencemos ao mundo, tal como ele nos pertence. Como afirmava Padre António Vieira, “Nascer pequeno e morrer grande é chegar a ser homem. Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento, e tantas para a sepultura”.