Esta é a altura em que proliferam as listas dos melhores discos do ano. Cada publicação especializada, blog, estação de rádio e opinion maker faz a sua selecção, e novos tops são divulgados diariamente. Devo confessar, que apesar de já ter tido vários discos nomeados, não é coisa que me excite muito e até acho que esta multiplicação de listas, acaba por desvalorizar a proeza de nelas constar.
Por outro lado, olhando para a quantidade de discos de música portuguesa em votação ou destaque nos “melhores do ano”, fico sempre surpreendida e orgulhosa pela vitalidade da nossa música. É que, de facto, do fado ao rap, do rock à eletrónica, as edições são muitas e de grande qualidade, sobretudo se pensarmos na dimensão do nosso mercado.
Gosto de dizer que estamos a viver um dos períodos mais efervescentes da produção musical nacional. Sendo suspeita, acredito mesmo que esta geração é especialmente talentosa e produtiva e que, nunca como hoje, se fez tão boa e variada música em Portugal.
Há várias razões que explicam esta vitalidade. A primeira das quais, parece-me, é o grande desenvolvimento tecnológico das últimas décadas. Antigamente, o material de gravação de música era caríssimo e só existia em estúdios profissionais. Se uma banda não tivesse uma editora disposta a investir, não era provável que conseguisse chegar a gravar a sua música com qualidade. Já para não falar da sua posterior divulgação, dependente dos meios de promoção das discográficas e do monopólio das rádios. Sem elas, não era possível levar a música aos ouvintes.
Hoje, pelo contrário, qualquer puto com um computador, uma placa de som e uns auscultadores, pode fazer música em casa e, em seguida, publicá-la na internet, para que qualquer pessoa no mundo a possa ouvir, sem intermediários ou hiatos temporais. A democratização do acesso aos meios de produção e divulgação de música, permitiu uma grande independência dos artistas e isso fez com que houvesse um boom de nova música em todo o mundo. Ora, o facto de isso ter permitido também que os nossos músicos estivessem mais expostos à música internacional, e em contacto permanente com o que se faz de novo, também é muito inspirador.
Pode dizer-se que há demasiado ruído, que a competição é esmagadora, que todas estas facilidades desvalorizaram a música enquanto produto, e que é mais difícil ganhar dinheiro como profissional. Mas o que é certo é que, no passado, só meia dúzia de bandas conseguiam fazer um percurso de profissionalização, estando eternamente dependentes do investimento das editoras e da filtragem dos meios de comunicação para chegar ao público.
Actualmente, não são necessários intermediários para comunicar com os fãs. As redes sociais permitiram a divulgação de música e agendas de concertos, mas também dos quotidianos dos artistas, das suas opiniões e partilhas culturais. E mesmo que ainda ajude muito ter uma editora, mesmo que seja providencial passar na rádio, ou ter uma entrevista num jornal de referência, há muito mais músicos independentes, a fazer o seu percurso nos circuitos alternativos que, felizmente, proliferam pelas cenas e tribos que cada género mobiliza.
Depois de anos de desprestígio da música portuguesa e, sobretudo, da música em português (algures entre os anos noventa e a primeira década de dois mil), finalmente estamos em estado de graça. Em todos os géneros canta-se na língua de Camões, há inúmeros festivais só com bandas portuguesas e, em muitos estilos musicais, o público prefere a produção nacional à oferta anglo-saxónica. O rap é um grande exemplo disso.
E se ainda por cima, nestes tempos de grande precariedade, fazer carreira na música parece ser tão instável e arriscado como fazer outra carreira qualquer, esta geração de músicos entrega-se ao que mais gosta de fazer, contribuindo com o seu génio e perserverança, não apenas para os melhores discos de cada ano, mas para os melhores discos de sempre.
(Crónica publicada na VISÃO 13456, de 20 de dezembro de 2018)