Para a contestação laboral que se tem vindo a acentuar, há duas explicações. A primeira é a da direita. Na sua viuvez não resolvida de uma governação punitiva, a direita vê nas greves e nas reclamações sociais a revolta do povo e das profissões contra o que diz ser o embuste da governação da esquerda. Deram uma réstia de esperança aos professores, aos enfermeiros, aos precários? Pois agora aturem-nos, é bem feito. Para a direita, governo que não puna não é governo que se preze, como orçamento que não tire não é orçamento sério. A segunda explicação é a da esquerda. O protesto e a reivindicação agora crescentes exprimem, para a esquerda, a consciência social de que há condições para ampliar o espaço dos direitos e de que essa possibilidade só se transformará em realidade se o Governo for eficazmente pressionado. Se antes houve mobilizações contra o corte de rendimentos e de direitos, há agora mobilizações pelo aumento desses rendimentos e desses direitos. Para a esquerda isso só pode ser um facto positivo, a mostrar que o caminho que se fez estava certo.
A resposta do Governo às reivindicações evidencia os limites do compromisso transformador do PS. Para lá do tique de tecnocracia arrogante, o que marca a posição do Governo face aos professores, aos estivadores, aos juízes, aos guardas prisionais ou aos enfermeiros é a mesma escolha: entre a justiça para os profissionais que dela foram esbulhados e a exibição do défice zero para Bruxelas e para os mercados, o Governo escolhe “os compromissos europeus”. E Mário-Centeno-Presidente-do-Eurogrupo dá mesmo indicações, em Bruxelas, a Mário-Centeno-Ministro-das-Finanças, em Lisboa, para que essa linha de rumo não seja beliscada. Ivone Silva não esperaria por certo que a sua inesquecível rábula sobre Olívia que, sendo costureira, era patroa de si própria, viesse a ser um retrato fiel do Governo do País.
O Centeno que obedece em Lisboa ao Centeno que dita as regras em Bruxelas não o faz contrariado. Não, são mesmo uma única pessoa, não apenas fisicamente mas politicamente. O presidente do Eurogrupo que manda os Estados periféricos da União terem saldo orçamental primário positivo é o ministro das Finanças que impõe as cativações que distorcem, na prática, o orçamento aprovado no Parlamento e resultam em indisfarçável degradação dos serviços públicos e das infraestruturas estratégicas do País. Quando o primeiro-ministro faz sua esta orientação nas suas respostas aos profissionais que reclamam a justiça de que a Troika e o Governo das direitas os privaram, está a fazer uma escolha política para agora e a mostrar a sua escolha política para a próxima legislatura.
O que António Costa levará a votos nas eleições europeias é a sua fidelidade a esta Europa que se destrói na obsessão por uma arquitetura financeira que pune o dia a dia de quem trabalha e de quem vê os seus direitos enfraquecidos porque “temos de honrar os nossos compromissos europeus”. Claro que vai envolver esta fidelidade nas profissões de fé do costume no “projeto europeu” e no “europeísmo convicto”. Mas em fundo estará o Centeno-Olívia-Patroa a impor regras espartanas aos Centenos-Olívias-Costureiras de cada Estado -membro.
O que António Costa leva a votos nas eleições legislativas é a sua determinação de conter dentro de limites estreitos o movimento social por justiça na economia. Nessas eleições, Costa dirá aos professores, aos estivadores, aos juízes, aos guardas prisionais ou aos enfermeiros que “não podemos dar passos maiores do que a perna” ou que “não podemos deitar a perder agora o tanto que conseguimos nos últimos anos”. Ou seja, dir-lhes-á que não porque quer dizer que sim a Centeno.
A discussão sobre se o acordo das esquerdas se repetirá depois das eleições ou é sobre isto ou não faz o menor sentido. Ou é sobre os conteúdos concretos da identidade política entre Olívia patroa e Olívia costureira e sobre os conteúdos concretos de uma alternativa ou é puro devaneio sem substância.
(Artigo publicado na VISÃo 1345, de 13 de dezembro de 2018)