Desta vez, Paddy Cosgrave vai mesmo ter de mudar de discurso. «No início, em Dublin, havia apenas 400 participantes e agora temos mais de 60 mil». A frase foi repetida, por mais uma vez, em cada uma das edições da Web Summit que se realizaram em Lisboa até ao ponto de ganhar contornos de lenda – mas nada garante que, dentro de um mês, não será proferida em coro por todos os jornalistas que já a ouviram numa conferência de imprensa com o empresário irlandês. Esta é apenas uma análise anedótica da questão. Se tudo correr como o líder da Web Summit e o governo português preveem, essa frase, que está para a Web Summit como os versículos dos Genesis estão para a cultura judaico-cristã, deverá mudar nas próximas edições do evento de empreendedorismo: «No início, em Dublin, havia apenas 400 participantes e agora temos mais de 140 mil». Pode parecer que há apenas um número que muda, mas os números são quase tudo neste caso – e, para já, são mesmo o único dado que permite ver para lá da euforia gerada em torno do evento que colocou Lisboa no mapa das capitais da inovação.
O líder da Web Summit conseguiu convencer o governo português a desembolsar 11 milhões de euros por ano para assegurar que a conferência/mostra de inovações se mantém durante os próximos 10 anos em Lisboa. Quem foi à conferência de imprensa realizada na quarta-feira, depois de uma convocatória enviada à pressa aos jornalistas às 19h00 do dia anterior, até poderá ter ficado com a ideia de que foi Cosgrave o persuadido e o governo português o persuasor. Mas da mesma forma que não entendo como é que um evento que passou a ser considerado crucial para o País realiza uma conferência de imprensa à pressa, também tenho dúvidas quanto ao papel desempenhado por cada uma das partes – mesmo que Paddy Cosgrave jure na campa dos antepassados que esta foi a «coisa mais louca» que alguma vez decidiu na vida.
Sou um entusiasta da Web Summit em Lisboa, e admito que seria um enorme revés para Lisboa e para o País, se rumasse a outras paragens. O que não me impede de olhar para os números. Alguns dirão que se trata de um exercício de bota-abaixo. Eu penso que é o exercício que qualquer jornalista deve fazer. E por isso digo: nos números há algo que não bate certo. Cosgrave diz ter recebido uma proposta de 850 mil euros anuais para levar a Web Summit para Berlim; e diz que Valência chegou a superar em muito os cinco milhões de euros anuais.
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