“Seja o que for, Será bom. É tudo”
Daniel Faria
Ontem vi uma senhora famosa a dizer na televisão que não queria ter filhos, que não queria deixar ninguém neste mundo. Sempre que ouço uma coisas dessas, fico profundamente entristecido. Durmo mal. Não imagino maior tristeza do que passar por este mundo com a certeza de que ele é essencialmente mau. Eu acho que o mundo é bom, mas não tenho qualquer mérito em achar tal coisa. Nem sequer sou dessas pessoas que veem automaticamente o lado bom das circunstâncias, nem sou especialmente bafejado por aquele dom a que as pessoas chamam de “otimismo”. Nunca fui sequer particularmente alegre e, a ser alguma coisa, pendo mais para o grave, o sisudo e o circunspeto. Mas calha eu achar, sem qualquer mérito ou exaustiva procura interior (e também sem qualquer ponta de dúvida), que o tom, a marca, o “subtítulo” deste mundo é caracterizado por algo que é bastante indefinível mas que poderá ser grosseira e universalmente entendido como bondade, generosidade, vida, regeneração, renovação, bem. Essa moção, essa tendência, essa força, é o que abraça e acolhe o mundo. Uma pessoa faz uma daquelas feridazinhas bastante irritantes com a extremidade duma folha de papel, que ardem e irritam e, durante um dia inteiro, mais nada existe no mundo a não ser aquela chaga viva de um milímetro e meio que boicota a nossa passagem por este mundo. Maldiz-se a vida, a ponta do dedo arde ao tocar numa caneta ou numa colher. Mas depois esquece-se e, sem se dar valor, por absolutamente nada e do nada, sem que se faça nada, provavelmente logo no dia seguinte ao sinistro, a força avassaladora da vida, através do seu infinito, providente, paciente e inesgotável dom reparador, faz com que a nossa delicada derme volte ao normal. É como o rabo da lagartixa que volta a crescer. É como o rio poluído que se limpa sozinho, assim que deixamos de o poluir. É como o coração partido que se remenda com a cola do tempo. No caso do corte de papel em ponta de dedo, podia dar-se o contrário, podia a ferida rasgar mais ainda, como num trapo, podia o nosso dedo gangrenar, podia o braço cair. Seria aleatório. Mas não. A tendência é sempre a mesma. A força do mundo ambiciona sempre o bem. E nós, ingratos, em vez de nos ajoelharmos imediatamente em louvor e reverência absoluta à vida, a Deus, acabados de ser tocados pela bondade infinita da regeneração através dessa coisa a que os cristãos chamam “espírito santo”, os indianos de “prahna”, o Roberto Carlos de “força estranha” e os orientais de “ki”, lá vamos à nossa vidinha, indicador em riste. E penso outra vez na senhora da televisão. Que, sem culpa nenhuma, não partilha desta minha conceção do mundo. E é só mesmo isto: uma perspetiva. Eu tenho dois filhos e acho que o mundo é bom. Já achava antes. Bom enquanto valor absoluto, intuído por algum sentido do divino que me é natural. Eu posso não ser grande coisa: mas acho que a vida é. E o mundo tornou-se um sítio ainda melhor (absolutamente melhor) graças aos meus filhos. E não falo do “meu” mundo. Claro que bendigo a vida, juntamente com a minha mulher, mãe deles, duma forma que dantes não era capaz, cada vez que os vejo aos saltos nos sofás da nossa casa. Mas, quando digo salvar o mundo, falo do mundo, mesmo. Deste nosso terceiro calhau a contar do sol e mais ainda. Sem dúvida que os meus pequenotes vieram para salvar o mundo porque são e vão ser muito melhores do que os pais, porque é assim que a vida é e gostava muito, com toda a sinceridade e compaixão do mundo, que a senhora da televisão também tivesse a certeza absoluta disso.