A decisão de ter ou não ter filhos, embora do foro íntimo, não é indiferente aos ambientes familiares e sociais em que cada pessoa vive. Se não fosse a influência desses contextos, dificilmente se entenderia a razão de existirem regiões do mundo, menos desenvolvidas, onde os nascimentos são muito significativos, e outras, mais desenvolvidas, que se debatem com a realidade oposta e se dizem, inclusivamente, ameaçadas em termos geoestratégicos por nascerem tão poucos bebés. É neste segundo grupo que se inclui a Europa.
Segundo os dados publicados na Pordata, nenhum país da União Europeia tem assegurada a substituição de gerações (para que tal aconteça é necessário que cada mulher tenha em média 2,1 filhos) e os pais são-no pela primeira vez em idades tardias. Portugal não destoa deste contexto europeu. Aliás, até se revela um caso exemplar, nomeadamente porque: (1) é hoje o país da UE 28 com níveis de fecundidade mais baixos; (2) revela uma alta proporção de filhos únicos; (3) apresenta uma idade média das mães ao nascimento do primeiro filho elevada, situando-se nos 30 anos.
Sabemos que o desenvolvimento foi o grande contraceptivo, estando na origem da passagem de sociedades com descendências numerosas para um tempo em que as gerações não estão garantidas. Contudo, quando se observa em detalhe a Europa no momento actual, verificamos que são, no essencial e paradoxalmente, os países do Norte e do Ocidente – mais desenvolvidos – que apresentam níveis menos baixos de fecundidade. A crise financeira que afectou particularmente os países do Sul da Europa, é insuficiente para explicar os baixíssimos níveis de fecundidade desta região, e também de Portugal, pois a quebra de valores de nascimentos não começou com a crise.
O que se passa, então, com os homens e as mulheres de Portugal face à decisão de ter filhos? Contribuir para o debate informado sobre esta ampla questão é o objectivo traçado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos para o mês de Maio, que será dedicado à População. Para o efeito, está previsto um conjunto de importantes iniciativas, de acesso gratuito: a apresentação do estudo científico sobre as “determinantes da fecundidade em Portugal”, a publicação de uma obra digital multimédia “Nascer em Portugal”, e a realização de um ciclo semanal de debates aberto a todos.
O assunto da baixa natalidade é muito complexo. Para além das questões financeiras, a articulação do tempo a dedicar à esfera profissional, familiar e pessoal e o apoio à primeira infância são dimensões a considerar. Fica aqui uma nota sobre estas duas últimas áreas, a propósito das questões de género no espaço doméstico do “lar”.
Os dados do inquérito à fecundidade (ano de 2013), resultado de uma parceria entre o INE e a FFMS, revelam que homens e mulheres estão relativamente próximos quanto ao número de filhos que tencionam ter e também partilham muitas opiniões relativas ao nascimento dos filhos. A distinção entre homens e mulheres passa, porém, a ser significativa quando o que está em causa são os papéis de mãe e de pai. Por exemplo, sobre a partilha de tarefas dedicadas aos filhos, conclui-se que quem se encarrega dos cuidados essenciais é a mãe – a qual, quando muito, partilha essas tarefas com o pai. Isto é especialmente evidente nas tarefas que mais colidem com o trabalho, como por exemplo “ficar em casa quando os filhos estão doentes”. Por outro lado, tanto os homens como as mulheres consideram que a opção ideal para a conciliação do trabalho com a vida familiar é: a mãe trabalhar a tempo parcial fora de casa, ou, no caso dos indivíduos menos jovens, pura e simplesmente não trabalhar; e o pai trabalhar a tempo inteiro fora de casa. Acresce que a maior disponibilidade do pai para dedicar à família e aos filhos também se mostrou determinante para a decisão de ter um segundo filho.
O aumento da escolaridade e a migração do campo para a cidade, em busca de uma liberdade conseguida pelo anonimato, e pelo menor controle social, tiveram um particular impacto sobre as mulheres e foram acompanhados pela sua maior afirmação no mercado de trabalho. O espaço público mudou para elas. No entanto, nas sociedades do Sul da Europa, alguns valores que implicam a partilha de papéis – de mãe ou pai, de mulher e de homem – dentro do espaço doméstico não se alteraram à mesma velocidade. Sabemos que as mentalidades não se mudam por decreto. Por isso, fica a proposta de reflectir sobre a forma como a escola e os conteúdos de ensino podem ajudar a que estes “novos tempos” entrem dentro de casa. A natalidade não ficará, por certo, indiferente.