É terça-feira, dia 5 de novembro. Levantei-me e dirigi-me à assembleia de voto, sita na minha secretária. Votei na Kamala Harris. Fossem umas eleições normais e podia recitar a costumeira ladainha: “Não o fiz particularmente entusiasmado, mas pronto vota-se no menos mau.” Depois acrescentaria que, ah e tal, é como todas as decisões que tomamos (as minhas, pronto): ficamos sempre com a sensação de que podia ser melhor.
Não, este meu voto imaginário não podia ser outro, nem podia ser melhor, porque sou um democrata. Esta minha decisão é uma inútil mas profunda profissão de fé no mais extraordinário sistema político que o Homem já inventou. No que lhe concedeu mais direitos, liberdade, condições de vida, segurança, paz. É verdade que não excita. Não promete grandezas e conquistas, não estabelece desígnios extraordinários, não nos garante qualquer glória, não nos assegura que há uma terra prometida ou que somos seres especiais apenas porque nascemos num certo lugar. É só um sistema que reconhece que o homem pode ser livre sem que tenha de condicionar a vida de todos os outros e que pressupõe para essa liberdade um conjunto de direitos políticos, sociais e económicos.