É normal que se fale tanto sobre o PSD, e até que se fale mais do que se fala do partido que governa o País há sete anos e que mais tempo governou desde que vivemos em democracia. Aliás, é exatamente por o PS ser aquele que mais exerceu o poder que tanto se traz o PSD à colação.
O País precisa de uma alternativa política e de outros protagonistas. A democracia sem alternância definha. Torna-se pasto fértil para compadrios, cumplicidades danosas ao bem comum e faz crescer movimentos que nada mais têm a oferecer do que a contestação pela contestação e a venda de soluções fáceis para problemas complicados.
O PSD ainda é a única alternativa. Sublinho o ainda. A degradação dos, uma vez, “sociais-democratas, outras não tanto e outras mesmo nada”, é evidente e constante. A incapacidade de renovarem quadros e de conseguirem atrair pessoas com qualidade já vem de trás, mas agora tornou-se chocante. A prova disso é que não poucas pessoas que se tornaram compagnons de route do PS seriam, em circunstâncias normais, do PSD, e estou a pensar até em gente que teve e que tem cargos ministeriais ou de semelhante relevância.
O PSD está, nas suas cúpulas, pouco mais do que reduzido a gente que se fez nas jotas, sem conhecimento do mundo, viciada nos jogos de baixa política e que precisa do partido para sobreviver. Claro que a falta de poder criou um círculo vicioso de não atração de pessoas, mas, mais importante do que isso, o que era a grande vantagem do partido tornou-se o seu martírio: a plasticidade ideológica e programática. Essa plasticidade permitia que este se fosse adaptando sempre a novas realidades. No entanto, sabíamos quais eram as bandeiras do PSD, os setores sociais em que se ancorava. Agora, não só alijou boa parte dos seus grupos tradicionais de apoio (pequenos empresários, reformados, funcionários públicos) como ninguém sabe quais são as suas causas diferenciadoras.
Passos Coelho, na sua segunda vida de homem de direita tradicional, teve uma ideia para o PSD, e Rui Rio teve outra, diametralmente oposta. Rui Rio perdeu-se porque propunha um recentramento do partido e, depois, não cortou claramente com a extrema-direita (a incoerência matou-o); Passos Coelho encostou o PSD à direita e também perdeu (não conseguiu formar governo, portanto não vale a pena andar com a conversa patética de que ganhou as eleições).
Há, porém, uma grande diferença nas duas derrotas: Passos Coelho vinha da governação da Troika. Apesar de o ex-primeiro-ministro ter sido claro na defesa daquelas que foram as soluções económicas e sociais (o ir além da Troika), apesar de estas terem contribuído para afastar setores que sempre foram votantes no partido e apesar de o que Passos Coelho e os seus ideólogos defendem representar um corte com o património político do PSD, grande parte do partido, e até boa parte da sociedade portuguesa, vê Passos Coelho como protagonista de um caminho diferente ao do PS.
Não é só importante para o PSD que Passos Coelho tenha a possibilidade de voltar a candidatar-se a primeiro-ministro, é, aliás, fundamental para o nosso sistema político e atrevo-me a dizer que seria muito bom para a saúde da nossa democracia. Enquanto isso não acontecer, qualquer liderança do PSD se sentirá, e de facto ficará, refém do fantasma do ex-primeiro-ministro. É impossível uma liderança afirmar-se quando os militantes do partido e os seus eleitores pensam que o melhor líder seria outro, que, além do mais, é novo e não tem compromissos profissionais visíveis.
Estou convencido de que o caminho que Passos Coelho defende para o PSD não é o certo, ou seja o encosto à direita. Também penso que o ex-primeiro-ministro conseguirá conquistar o partido e unir boa parte da direita e do centro-direita, mas não chegará para ganhar eleições – qualquer solução que encoste o PSD à direita ajuda os socialistas. Pior: Passos Coelho faria algo que destruiria o PSD a curto-médio prazo: uma aliança ou um acordo com o Chega. Existe, aliás, uma corrente que defende que esse acordo esvaziaria a organização de André Ventura, mas está profundamente errada. Mal ou bem, o eleitorado de Ventura está em boa parte consolidado (sempre existiu, não tinha era voz), além de que o preço que este cobraria para, digamos, o Chega entrar no sistema seria demasiado alto até para Passos Coelho.
Tudo isto me faria não desejar a volta de Passos Coelho, mas, sem o seu regresso, o sistema e a sua fundamental alternância estão bloqueados e o PSD não conseguirá tomar rumo. A sua possível vitória eleitoral consolidaria um caminho; a sua derrota afastaria o fantasma que paira sobre o partido e que o asfixia.
Passos Coelho, concorde-se ou não com ele, é um patriota e alguém que acredita no serviço público. Quero acreditar que este, o mais cedo possível e sem calculismos, apresentará a sua candidatura à liderança do PSD.
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