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vasco pinhol_
As “fake news” parecem estar – literalmente – na boca de toda a gente. Embora com um perfil apalhaçado, podem destruir o mundo e pouco ou nada se está a fazer para o impedir. Porque é que podem destruir o mundo? Como viver em sociedade é uma necessidade humana, logo nos primórdios da civilização aprendemos colectivamente a ostracizar os mentirosos sociais; a sobrevivência do grupo dependia de poder confiar, ou não, em dados factuais: o gajo que corria para dentro da caverna aos gritos de “fujam, vem aí um tigre de dentes-de-sabre!” e que desatava a rir quando via o pessoal a correr em todas as direcções, era rapidamente ostracizado e tinha que ir fazer uma fogueira para longe. É na expectativa (ou não) de verdade que assenta todo o edifício da comunicação humana; é na veracidade do que nos é dito que alicerçamos a confiança que temos nos que nos rodeiam. Essa confiança é preciosa mas frágil – a confiança só vale na medida em que seja consistente: basta uma mentira para abalar ou destruir a confiança que temos em quem nos mentiu.
Este fundamento social é-nos inculcado desde a mais tenra infância. O valor universal da história do Pedro e do Lobo, que tem a sua versão simplificada no “Não mintas à mamã”, ajuda a criar um mundo de valor acrescentado, em que só nos lembramos dos tigres de dentes-de-sabre quando é mesmo preciso fugir. E é aqui que entra efeito devastador das “fake news”: bastaram meia dúzia de meses de “pós-verdade” para pôr em causa todo o edifício – acarinhado cuidadosamente ao longo de mais de dois séculos – dos meios de comunicação social. O odor pestilento da desconfiança no que se lê e vê na internet agarra-se a tudo e não há desinfectante que o consiga eliminar. Como é que se resolve isto?
Foram precisos milénios de interacção social para desenvolver os preceitos sociais que vacinam contra a mentira individual – o equivalente ao “com que então mentiste… Então pega na tua fogueira e pira-te daqui!”. Os preceitos contra a mentira institucional foram desenvolvidos nos últimos dois séculos com a evolução da ética dos meios de comunicação de massa – no final do século XX era vulgar ouvir que os media eram o quarto poder (a imprensa e a televisão são o quarto pilar da democracia), o único que amedrontava os políticos corruptos com ambições absolutistas. Com as “fake news” o quarto poder cai por terra, porque as “fake news” corroeram a confiança, o principal alicerce da sua existência. O panorama agora é mau, mas presta-se a piorar rapidamente: estamos à beira de um tempo em que deixará de ser possível confiar funcionalmente no que se vê – as “apps” de inteligência artificial aplicadas à imagem em breve permitirão a qualquer de nós reescrever por completo a realidade, substituindo caras, corpos e a sequência de eventos que nos habituámos a ler como “sinais exteriores de realidade”. Antes que isso aconteça, é altura de desenvolvermos mecanismos que chutem os mentirosos online para fora da caverna. É pena dizer isto, mas algo tem de mudar na internet: tal como no Pedro e o Lobo, os mentirosos apanhados na mentira devem sofrer as consequências do que fazem. Senão estamos, verdadeiramente, verdadeiramente, verdadeiramente perdidos.
O tempo passou, a vida normalizou-se – enfim, mais ou menos – e apercebo-me agora de que ou as pessoas estão mais chatas ou eu preciso de mais estímulo para lá chegar. Lembro-me com carinho de um tempo em se partilhavam estórias densas em vez de tweets e posts. Uma vez, numa festa em casa de uma amiga minha em que eu era o puto entre trintões, uma das trintonas achou por bem pôr-se de rabo para o ar para acender um pum, o que culminou numa visita ao Santa Maria para destrinçar cirurgicamente o nylon dos collants da alva pele do rabo. Na festa – enquanto esperávamos pelo retorno das urgências – falou-se de infâncias e de como a normalidade quotidiana necessária à funcionalidade da máquina social era tão menos divertida que os sinais exteriores de loucura. Alguém se lembrou dos tempos em que as idas da família a uma dada praia eram faseadas – primeiro desciam o pessoal doméstico com as crianças, “preparar a praia e a merenda”, depois mais tarde, por volta do meio-dia, lá iam os mais-velhos que tinham acordado languidamente de cigarro nos dedos e café na mão, sem a algazarra intrusiva das crianças. Um destes mais velhos gostava de caçar, calcorreando a Serra com uma caçadeira e quando voltava de mãos vazias ao final da tarde, tinha por hábito destruir os papagaios dos filhos aos tiros, para gáudio dos amigos e choradeira da criançada. Falou-se que este maluco disse um dia à mulher “vou ali comprar fósforos” e nunca mais voltou. A filha mais velha descobriu-o, passadas quase duas décadas, a viver no Brasil com uma nova família. Na altura, só deram por falta dele passados três dias, quando alguém perguntou “Onde é que está o Pai?”.
Não há nada mais triste que um barco num jardim.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal:
50
Nas notícias por aqui:
Só há, basicamente, notícias sobre ski de fundo – a única actividade que interessa verdadeiramente aos noruegueses durante a Páscoa, para além de pescar bacalhau.
Um dado interessante:
Ski, matpakke (merenda) e chocolate quente: os noruegueses comem por ano 45 milhões de uns chocolates de bolacha de baunilha revestida com chocolate de leite (kvikk-lunsj), maioritariamente durante as férias da Páscoa.
(*) – coloquial, ventosidade, ruidosa ou não, expelida pelo ânus.