
Patrick Foucher
Escrever um artigo nos dias que seguem os dramáticos incêndios que devastaram metade de Portugal dá vontade de falar da boa vontade dos portugueses cá de fora que se mobilizaram para acudir às vítimas de Pedrógão Grande e que, apesar das dúvidas sobre o destino e a utilidade dessa ajuda, já se mobilizaram de novo para voltar a socorrer quem precisa. Mais ou menos atabalhoadamente, os portugueses do Luxemburgo já estão a procurar meios e a organizar eventos para recolher fundos e bens para enviar sabe Deus para onde. Tal como os portugueses de Portugal.
Os portugueses que vivem cá fora, como aqueles que vivem dentro, também são boas pessoas e passaram a noite de domingo no mesmo sobressalto dos outros portugueses: quantos de nós perguntaram no Facebook se havia notícias do Tourigo ou de Vouzela; quantos ficaram sem dormir até receberem notícia na segunda-feira de manhã dos tios, da avó ou da mãe que ficou sem telemóvel e, em alguns casos, sem casa.
Um português do Luxemburgo perdeu a vida num dos incêndios. “RIP”, “coitada da família”, podia ler-se nas redes sociais. Mas também houve quem mostrasse que, tal como os portugueses lá em baixo, também somos tantas vezes brutos e insensíveis: “porque é que ele não fugiu?”, perguntava alguém no Facebook. “Sejam resilientes”, disse alguém lá em baixo… Está provado, nós cá fora somos iguais aos outros.
Outra coisa de que queria falar hoje era sobre as eleições autárquicas luxemburguesas, que decorreram há duas semanas, e que foram marcadas pela eleição de um português para presidir a uma autarquia luxemburguesa. Mas, ao contrário dos eleitos lá de baixo, este decidiu abdicar do cargo apesar de ser o mais votado.
José Vaz do Rio podia ter sido o primeiro burgomestre no Luxemburgo com nacionalidade portuguesa e luxemburguesa. Diz-se que Marcelo Rebelo de Sousa lhe terá telefonado, mas o senhor já estava determinado a não exercer a função para a qual os eleitores o escolheram. Um homem honesto, José Vaz do Rio é, como os portugueses, uma pessoa modesta e acha-se incapaz de exercer o cargo porque só tem a quarta classe. Tal como muitos em Portugal que preferem votar num escroque, mas “que faz o melhor pela nossa terra”.
No Luxemburgo o voto é obrigatório, mas os estrangeiros estão-se borrifando para as eleições e não se recenseiam. Menos de 50% da população do país vai às urnas. Ironia: o voto é obrigatório, mas o recenseamento dos estrangeiros não o é. Aqui, e neste aspeto, somos pior que em Portugal: enquanto a abstenção foi de 45% nas últimas autárquicas lusas, aqui a abstenção dos portugueses deve andar pelos 90% dos residentes no Luxemburgo.
Lembrei-me agora qual era o assunto que me fez sentar em frente ao computador neste final de dia ensolarado! Afinal eu queria era escrever sobre o facto de continuar a ler frases sobre nós, os de cá de fora, que começam por “os portugueses que um dia tiveram de abandonar o país”. Mas acho melhor deixar este assunto para um próximo artigo porque vai dar pano para mangas.