Muito antes de andar a “correr” atrás dos Gorilas no Uganda e ainda antes de Lisboa se transformar na capital dos Oceanos, lá pelo ano 1994, com o João e a Sónia, decidimos fazer uma viagem pelo lado selvagem da Europa.
Atravessámos a correr o centro da Europa para depois começarmos a subir em ziguezague a Escandinávia. Éramos três dentro de um jipe com um orçamento limitado mas com um objectivo claro: chegar ao Cabo Norte e voltar a Lisboa…
Todos queríamos voltar? Alguns sim, outros não…
Estávamos no verão e os dias eram cada vez mais longos, sobretudo naquelas latitudes, e lembro-me de algumas “noites” em que tivemos de nos meter debaixo do jipe para poder dormir sem que a luz do sol nos incomodasse.
A Escandinávia é bonita. Um bocado monótona, mas bonita. Também há muitos mosquitos, muitos mesmo! Mais do que no Uganda. Também há lá renas, muitas renas, mas não tantas como mosquitos.
E como seria no Inverno?
De certeza de que não haveria mosquitos, seria mais frio e continuaria também a ser monótona.
Visitámos alguns canis de Mushing e conhecemos alguns Mushers na zona de Kiruna, na Suécia.
Naquela época, aquela viagem foi para mim um ponto de viragem.
Eu queria ser Musher! O meu amigo João já tinha uns cães de trenó na serra da Estrela e eu queria mudar de ares. A serra da Estrela era uma opção demasiado familiar, e a Escandinávia era o paraíso dos desportos nórdicos.
Mas a Escandinávia tinha um problema ou vários…
A comida: Sou Português, gosto de comer bem e de me sentar à mesa com os amigos durante horas. Ora bem… na Escandinávia não se come mal, mas também não se come bem. E depois há o tema do Sol, sim o astro rei, no inverno não há lá Sol, ou seja, há, mas muito lá ao longe no horizonte. E o frio. Eu queria ser Musher, mas não queria ser esquimó.
Continuámos a viagem e por fim chegamos ao Cabo Norte. Naquela altura não havia túnel e tivémos que apanhar um ferry. Sim tivemos que o apanhar e a correr! Porque o jipe estava a ficar sem embraiagem e era impossível parar o motor. De maneira que passando à frente de todos os outros carros e sem respeitar a fila entramos no barco quase sem parar! Esta foi a primeira de muitas aventuras nos ferries da Escandinávia.
E pronto, lá chegámos ao Cabo Norte!
Lembro-me de que comemos num self service à beira da estrada (Um bocado de Rena com puré ao lado) e pagámos à volta de 6 contos (cerca de 30€).
Por estas coisas e por outras começámos a descer rumo ao Sul. Visitámos Estocolmo onde encontrámos um restaurante decente que tinha vinho do Alentejo e seguimos viagem.
Já com pouco dinheiro nos bolsos e com o cartão visa a deitar fumo chegamos aos Pirenéus. O João tinha lá um amigo que também tinha cães de trenó e eu queria conhecer aquela parte da Catalunha da qual já tinha ouvido falar. E foi assim que cheguei ao Vale de Aran pela primeira vez. Lembro-me que era de noite, – noite de verdade -, que não havia mosquitos, e lembro-me sobretudo de jantar bem! Jantámos em Viella no bar Manolo, comemos uma boa “tortilla de patatas” depois de milhares de quilómetros a comer trutas e carne de Rena.
Como não podia deixar de ser o João decidiu fazer uma excursão extra depois de jantar e por fim lá por volta das 23h chegámos a Montgarri – uma aldeia abandonada e em ruínas. Montámos a tenda ao lado do cemitério e quando amanheceu lembro-me que estavam a reconstruir a igreja e um refúgio de montanha, onde muitos anos depois costumo passar o inverno. Gostei do sítio, tinha todos os ingredientes que procurava: montanha, boa comida, refúgio, neve e também havia cães de trenó.
Estávamos no outono e voltámos a Lisboa, e eu já estava decidido a ir-me embora para Montgarri. Comuniquei a decisão aos meus pais. Voltei a carregar a mochila de sonhos e ilusões, enchi o deposito do jipe, e parti rumo ao Vale de Aran onde vivo, no inverno, desde 1995.
Entretanto as coisas foram evoluindo. No ano 2000, cinco anos depois de lá chegar, tive a minha primeira equipa de cães de trenó, naquela altura eram só 14!
No ano 2003 consegui juntamente com meu sócio Kim a concessão de passeios de trenós na estaçao de ski de Baqueira. O Kim é, desde 1995, o guarda daquele refúgio de montanha em Montgarri que estava em obras em 1994.
Atualmente temos oitenta cães de trenó e também temos motas de neve, organizamos excursões de dia e de noite, fins de semana no refúgio com atividades para particulares e empresas. Mas sobretudo o mais importante é que fazemos o que gostamos e combinamos sempre o espírito de evasão com bons alimentos.
E sem mosquitos!
Para mosquitos já vou ao Uganda no verão.
Informação adicional:
Sobre o vale de Aran e Montgarri
http://www.visitvaldaran.com/en/
Para quem quiser ficar pela Serra da Estrela, nas casas do Joao e da Ana