Com o aproximar das eleições há uma tensão no ar. Não sou da política, não sigo um partido, não sou analista nem coisa que o valha. Nem pretendo ser. Mas sigo atentamente o que se passa e, mais que isso, sigo atentamente o que sinto acontecer à minha volta. E acredito que a França vai mostrar ao Mundo o caminho a seguir. Como tantas vezes fez no passado.
O Mundo vai mal. Sente-se. Alguma coisa não está a correr bem.Conflitos armados crescentes, crises humanitárias, rearmamentos aqui e ali, alianças que se criam (umas mais claras do que outras), extremismos (mal) disfarçados, nacionalismos que despoletam. Um dejà vu histórico. A forma horrenda como a França tem vindo a ser atacada pelo terrorismo a adicionar a uma maré de crise económica, crise de valores, crise de identidade e falta de esperança dos jovens, descrença no modelo social vigente e descrença nos políticos do costume fazem-nos pensar no pior.
Sim, a senhora da extrema-direita (cujo nome me recuso a pronunciar, lamento) está no topo das sondagens para ganhar as eleições e ficar em primeiro lugar na primeira volta – em que há 11 candidatos. É grave.
Não só está no topo das sondagens desde há meses como os inquiridos que nela dizem votar afirmam ter o voto absolutamente decidido. Venham daí os escândalos, as omissões, as incoerências e as habituais declarações a destilar ódio que nada abala os seus seguidores. Ela não cai. Nem sequer abana.
Apresenta-se como a salvadora de um país devastado. Sem apelido. E sem a chama extremista que foi durante décadas o símbolo do partido. Uma estratégia comunicacional que tem como objetivo desfocar a imagem criada pelo fundador, seu pai. Ainda assim, pouco deve ter mudado na base das suas ideias. Quem defende que o catolicismo deve estar consagrado na Constituição francesa (mesmo quando a maioria do população não pratica qualquer religião) ou defende que as crianças filhas de estrangeiros devem pagar para ir à escola não pode ter mudado muito.
Se ela ganhar (até me custa colocar a hipótese) e aplicar as suas ideias a França vai enfrentar uma crise sem precedentes. Até porque as consequências vão-se sentir aqui mas também, e muito, na Europa e na vida de todos nós.
Eu não acredito. Não podemos acreditar. Digo a mim mesma todos os dias que isso não pode acontecer. “Ah, o Trump também não conseguia ganhar e está lá… O Brexit era impossível…” Não. A França não é os Estados-Unidos (nem estes viveram a sua História). E os ingleses sempre tiveram um pé fora da UE (enquanto que os franceses foram a sua base). E eu não acredito que eles vão eleger um presidente extremista. Não. Os franceses não são assim.
Este país, e esta gente, respira liberdade e igualdade. Este país transpira contestação. Em tudo. Não se calam. Do simples interpelar alguém a passar à frente numa fila para comprar o passe, ou deixar mensagens no hall de entrada do prédio porque alguém deixou a bicicleta mal arrumada, até rebentarem violentamente com os pórticos das autoestradas que tinham por objetivo cobrar uma taxa aos veículos pesados. A conduta social está sempre a ser avaliada e quando se unem levam as suas reivindicações até ao fim. Aqui as manifestações causam efeitos. Infelizmente quase todas acabam menos bem. Mas aqui o governo recua se assim tiver de ser. Em Portugal podem estar centenas de milhares nas ruas e nada muda. Aqui não. Aqui as manifestações têm peso, têm voz e têm força.
Aqui debater política não é um assunto de elites.
Lembro-me de estar no refeitório, quando era rececionista num hotel, e dar por mim a presenciar um debate político entre duas senhoras da limpeza, os motoristas, os bagageiros e o pessoal do bar, mais um supervisor ou dois. Todos tinham uma opinião mais ou menos bem formada. Conheciam nomes, datas, factos mais antigos, alianças, potenciais candidatos para as próximas eleições… E lembro-me de reparar nisso: será que em Portugal também se fala de política desta forma a este nível? Ou a conversa fica-se pelo futebol, pelos vestidos das apresentadoras de televisão e um escândalo ou outro assim mais barulhento?
Aqui há manifestações, maiores ou menores, todas as semanas. Por tudo e por nada. No início é surpreendente, depois é incomodativo porque não consegues tirar uma foto no Trocadéro sem apanhar uns cartazes, e a seguir habituas-te.
A consciência política desta gente é imensa.
A França foi durante décadas, senão séculos, o país que inspirou a Europa e o Mundo. O país da revolução contra os poderes e os privilégios, o país dos Direitos do Homem e da Mulher, o país do Humanismo, da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.
Isto é a França. De ontem e de hoje. E na hora H os franceses não se vão deixar levar pelo medo e na segunda volta não vão eleger a senhora em causa. Acreditemos. Porque se o pior acontecer, é grave. É sinal de que a França deixou de ser a França. E sem a França o Mundo não será o mesmo.
VISTO DE FORA:
Dias sem ir a Portugal: Muitos. Demais.
Nas notícias: O rescaldo do grande debate com os 11 candidatos às eleições presidenciais em que Philippe Poutou (candidato do NPA – Novo Partido Anticapitalista) confrontou a senhora da extrema-direita dizendo-lhe: “Pois, você é arguida num processo em que roubou milhares à União Europeia mas quando é convocada para ir à polícia pode-se recusar a ir por ter imunidade parlamentar. Já eu, está a ver, quando sou chamado à polícia tenho de ir… Não tenho como fugir. Os trabalhadores não têm imunidade trabalhista! É essa a diferença entre nós!”
Sabia que por cá: As natas fazem profundamente parte da cozinha de todos os dias. Para além de usarem molhos com natas para tudo e para nada (até porque a carne ou o peixe raramente são temperados previamente), colocam natas nas massas, no arroz, nos legumes cozinhados, nas bases das pizzas ou por cima dos crepes salgados de salmão ou de tiras de bacon. Na dúvida, de certeza que levou natas!
Um número impressionante: No aeroporto de Paris Charles de Gaulle aterra um avião em cada 30 segundos. É o segundo maior aeroporto da Europa e tem 9 terminais.