
Comer. Quem não gosta de comer? Eu adoro comer! Sobretudo quando vou a Portugal e tenho a mãe a preparar o almoço lá em casa. E apesar de sermos só três, a quantidade de comida que está sempre em cima da mesa dá a entender que ela convidou a vizinhança toda para saborear o repasto. Ou se calhar é alguma ocasião especial com família e amigos para a qual eu não fui avisada. Ou será que o mundo vai acabar e ela quer garantir que eu tenho reservas suficientes, caso eu consiga escapar? Mas não, sou só mesmo eu, o meu pai e a minha mãe. “Queres mais filha?”, “tens de comer mais”, “ainda está ali muita comida” são frases constantes do ritual gastronómico lá em casa. Acabo por comer por cinco e ficar com uns quilos a mais. “Acho que falta sal”, “deixei demasiado tempo ao lume”, “já não tenho a mão que tinha antigamente”, “vi esta receita na televisão mas acho que não ficou bem cozinhada”, diz a matriarca; “está óptimo mamã”, “como sempre”, respondo. E assim se faz uma mãe feliz!
Por norma, e generalizando, o que nos incentiva a visitar um determinado destino é o seu património histórico (se procuramos umas férias mais culturais), ou as suas praias, zonas rurais e paisagens (quando as nossas prioridades se direcionam para algo mais tropical, relaxante e por vezes longe de tudo e de todos). Claro que existem outros motivos para viajar, outras formas de turismo mas comum a todos elas está a presença da gastronomia, o simples facto de ter de se comer. Não importa se num restaurante caro, take away de fast food ou debaixo das estrelas, queremos alimentar-nos todos os dias. E devido a essas necessidades biológicas, acabamos por não valorizar a importância da comida enquanto elemento cultural. Comemos para sobreviver, não comemos para perceber a sociedade que a criou. Erradamente, especialmente quando se viaja e se juntam grupos tão distintos em nacionalidades mas tão próximos em filosofias de vida e experiências.
A comida diz muito de um povo. Com uma zona costeira bastante ampla e um passado marcado pelas glórias dos Descobrimentos, a nossa ligação ao mar é muito forte. Parece que durante séculos tivemos a mania de descobrir coisas, caminhos marítimos, novas terras e até mesmo países (vejam lá!). Éramos tão importantes que metade do mundo era nosso, só nosso! Como passámos a vida inteira dentro de água, o peixe é parte fundamental da nossa dieta e temos bastante orgulho no nosso marisco.
De todos os destinos que já tive o prazer de conhecer, depois de visitar o castelo, o museu ou a praça, nadar no mar, escalar a montanha ou simplesmente estar de papo para o ar, nada me dá mais prazer que provar as iguarias gastronómicas do local onde me encontro.
Os sabores do mundo são um dos maiores fascínios de viajar.
Recordo-me das minhas férias em Zanzibar, na Tanzânia, quando ia aos restaurantes locais e, entre pedir a comida e o prato chegar à mesa, esperava em média duas horas. Isto porquê? “Hakuna Matata”, célebre frase do filme da Disney Rei Leão e que significa, em swahili, “não há problema”. Basicamente a vida é para ser levada com tranquilidade, sem preocupações e tudo é feito devagar, devagarinho. Até o almoço.
E que dizer do Japão onde dar gorjeta é ofensivo, ainda que estejamos habituados a gratificar um serviço e atendimento de excelência? A sociedade japonesa é pautada pela ordem, harmonia e organização, tudo tem a sua estrutura e esta não deve ser alterada. Por isso, mesmo depois de comer um sushi delicioso não deixem gorjeta, isto se não quiserem deixar os anfitriões ofendidos. Para eles, o serviço prestado faz parte do preço da refeição. Não há porque se pagar mais.
Já na China é preciso ter algum cuidado com aquilo que se come. Ou se pensa que se está a comer. Muitas das vezes os menus só estão disponíveis em mandarim e as imagens são a única referência que possuímos. E vê-se de tudo: frango, pato, peixe, legumes, noodles mas também cão e macaco. Quanto à comida de rua, é todo um quebra-cabeças para descortinar o que se está a vender. É o destino perfeito para quem gosta de novas iguarias e provar o que eu chamaria no mínimo de… diferente.
E já que estamos nesta região do globo, importa referir que 90% do total de arroz é produzido e consumido na Ásia. Por estas bandas come-se arroz pela manhã, ao almoço, ao jantar, entre refeições, antes de dormir. A vida não faz sentido sem o arroz. Experimentem dar ao pequeno-almoço uma carcaça com queijo e manteiga a um chinês, a ver o que acontece. Eles precisam de arroz, como muitos dos portugueses precisam de um café expresso pela manhã. É o grão da vida, que está presente em todos os rituais, celebrações e crenças. A dádiva dos deuses.
Viajemos até à Rússia onde mais importante do que comer, é beber. São mundialmente conhecidos os níveis de tolerância dos russos face ao álcool, impressionantes diria mesmo. Crescem a consumi-lo e bebem vodka com a naturalidade com que bebem água. E esta não é uma afirmação pejorativa. Bem pelo contrário. As condições climatéricas extremas e as temperaturas quase polares no inverno obrigaram os russos a saberem proteger-se do frio. Vestem casacos de pele, põem ushankas na cabeça (aqueles chapéus russos felpudos e quentinhos) e bebem para se aquecer. Assim, enquanto o comum mortal já teria apanhado uma valente bebedeira, os russos apenas sentem o seu estômago aconchegado.
Nos Estados Unidos tudo é pensado em grande e feito em grande. As doses individuais nos restaurantes são como as da minha mãe, dão para alimentar um batalhão. Na Índia e no Sri Lanka a variedade e abundância de especiarias é visível na cor dos pratos, na combinação de ingredientes e na explosão de sabores. Digo explosão porque a comida é tão picante para quem está habituado à dieta mediterrânea que se sente a boca em fogo. Na Alemanha está, para mim, uma das mais agradáveis surpresas gastronómicas, com os seus pratos tão ricos em sabor, diversidade de opções e cuidado na forma como se cozinha.
Mas nunca nada será melhor do que a comida portuguesa. Do que a feijoada, o bitoque com ovo a cavalo, o cozido à portuguesa, o leitão da Bairrada, o arroz de marisco, o polvo à lagareiro, o bacalhau à brás, o caldo verde, a canja de galinha, o creme de legumes, o doce da avó, o bolo de bolacha, o pudim de ovos, o pastel de nata, os doces conventuais. A lista é, sabemos nós, interminável. O que eu não dava agora por um rissol ou um pastel de bacalhau!
Por isso, sempre que forem viajar, comam porque têm fome e “saco vazio não fica em pé”, mas sobretudo comam como parte integrante do conhecimento de uma sociedade, de uma cultura, de um povo. Vão ver que vai valer a pena.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: Cerca de uma semana.
Nas notícias por aqui: O Ano Novo Islâmico foi celebrado a 02 de Outubro.
Sabia que por cá… Existem táxis só para as mulheres e famílias?
Um número surpreendente: 829.8. São estes os metros que fazem do Burj Khalifa o edifício mais alto do mundo.