São três da manhã e um mosquito poisa-me na perna. Deitada na cama, a rever mentalmente a fabulosa festa na praia do Karma Kandara Beach Club e o mosquito atrevidamente na minha perna. É lento, como todos eles, talvez do calor constante e da humidade excessiva, pelo que o consigo despachar com um piparote. Mas o que me espanta é como ele entrou. Com redes em todas as janelas superiores que fecham hermeticamente a casa e o fogging semanal (pulverização que mata os insetos), a nossa casa é quase à prova de mosquitos. É então que me levanto e afasto as cortinas. Uma das janelas está aberta. Foi a Maria que a deixou assim, penso, enquanto reclamo também mentalmente do descuido dos adolescentes. Nessa noite havia uma festa de pijama em casa de uma amiga dela que mora perto de nós, e ela ía lá ficar.
No dia seguinte à tarde, quando estou a lanchar na praia, a Maria liga a soluçar:
– Mãe, roubaram-me o computador.
Aconteceu-nos! Duas semanas depois de escrever sobre medos e de como já não os tinha, fomos assaltadas e a nossa confiança ficou seriamente abalada. Na noite anterior estiveram em nossa casa e levaram também a minha máquina fotográfica comprada para esta viagem, uma Fujifilm X-T1, uma boa mochila e talvez mais alguma coisa que não demos por isso. Não mexeram em mais nada, nem desarrumaram o que quer que fosse. Pegaram só no que estava em cima das mesas, que por acaso, era o mais valioso que tínhamos. Ficámos devastadas.
Voltei a espreitar todas as janelas ao longo de toda noite, até cair de cansaço, quando os primeiros galos começavam a cantar.
Uns amigos convidaram a Maria para ir para Timor, e dois dias mais tarde lá foi ela. Para ter medos ficava cá eu, não a minha cria.
Estatisticamente, eles não voltam. Mas quem teve a casa invadida sabe que não chegamos lá por números. Algumas noites, passei-as no Lubdhaka, um pequeno hotel perto de casa.
É normal, dizem-me, e eu até sei que sim. Os turistas têm muitas coisas. Coisas muito aliciantes. Que brilham e cheiram a euros ou a dólares. Cabe-nos a nós protegê-las bem.
Ao contrário do que quase toda a gente me aconselhou, fui à policia participar o roubo. Fui com a Mastri, uma amiga local, que fala inglês perfeitamente, e que nos tem ajudado em tantas ocasiões, pelo que correu tudo bem. Os policias vieram inspecionar a casa e o jardim. Aos policias juntou-se o chefe do Banjar (poder local organizado em cooperativa. Zelam pelo bairro, organizam os eventos, entre outras coisas) e o chefe de segurança do Bairro. Antes de sair reparei que a janela do quarto por onde entraram – a mesma que o mosquito usou – estava cheia de dedadas. Deixei instruções:
«Ninguém toca neste vidro. Não o limpem, para a policia poder tirar as impressões digitais!»
Um desvario, talvez por todos os CSI´s que vi na vida.
Quando os inspetores entram em casa, apontei muito orgulhosa para as impressões digitais. Um dos policias, olha de relance e manda-me limpar o vidro, chamando-me a atenção para a porcaria de ter aquilo tudo sujo com dedadas do assaltante.
Sinto-me ridícula…
Os dias passam e o sono não chega. Tento controlar um ou outro ataque de pânico, mas começo a ter sintomas de privação do sono. Agarro em algumas coisas e fujo para o tal hotel onde todos os funcionários nos conhecem do tempo em que a casa estava em obras. Foi para lá que fugimos tantas vezes por causa do pó. É económico, limpo e a cinco minutos de mota da nossa casa, em Canggu. Apareço com os olhos borrados e em lágrimas. Com pena de mim, baixam ainda mais o preço.
Numa dessas noites troco mensagens com uma boa amiga balinesa que todas as noites, desde o incidente, me perguntava como é que eu estava e se precisava de alguma coisa. E por whatsapp tipifica-me os assaltantes:
“Há muitos tipos de assaltantes. Com armas ou sem armas”
Tivemos muita sorte, nem os vimos.
“Há os que assaltam, mesmo com as pessoas em casa; e os que só aparecem quando não está ninguém”
Também aqui tivemos sorte com o ladrão. Era um solitário e não deve gostar de confusão.
“Há os que usam magia negra, para te fazer adormecer. Esses não costumam levar armas, mas geralmente estão nus. As vítimas não os conseguem ver, porque estão sob feitiço”
Gulp. Acho que aqui também tivemos (muita) sorte.
É demasiado surreal. Essa foi uma noite conturbada, repleta de sonhos estranhos. Mas pelo menos dormi.
No dia seguinte andei a fazer perguntas. Tinha de perceber melhor, o que é isso de os ladrões estarem… despidos?!? Do que me contaram, julga-se que, sob efeito de magia, e de mais a mais, com eles despidos, nós não os conseguimos ver. Se tiverem oportunidade de fazer cocó na nossa casa, o feitiço fica ainda mais forte.
Decididamente, tivemos muita sorte. O único intruso que vi foi o mosquito e cheguei para ele. E acredito que não tive nenhum homem invisível porque não encontrei nenhuma poia a um canto da casa.
Quanto ao resto, a confiança voltou e a Maria recebeu um novo computador dos avós. A maquina fotográfica… um dia destes, penso noutra.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: Neste momento estou em Portugal, mas à data do assalto estava fora há 217 dias
Nas notícias por aqui: O United Development Party (PPP) e o Prosperous Justice Party (PKS) estão a tentar passar uma proposta de lei que proíbe o álcool em toda a Indonésia. Os profissionais do turismo temem o colapso do sector.
Sabia que por cá: É muito importante viajar com seguro. De saúde principalmente, mas também de bens pessoais. Sem seguro não há direito a qualquer tratamento. Nem de emergência. A menos que pague, e muito bem.