Fez este ano 20 anos desde o dia em que o Ocidente avançou para uma invasão do Iraque assente numa mentira deliberada: não existia um programa ativo de armas de destruição maciça, e tanto a CIA como o MI6 sabiam-no e ignoraram esta informação. Líderes mundiais, chefes militares, grande parte da opinião pública e publicada internacional laboraram então sobre um erro grave no ponto de partida, dando justificação para um “facto de gravidade histórica”, como lhe chamou, mais de uma década depois, o relatório da Comissão Chilcot. Mas, mais do que o objetivo de acabar com o regime de Saddam Hussein assente numa mentira de base, faltou uma visão realista para o dia seguinte. E depois da invasão, o que se seguiria? Os planos norte-americanos e ingleses de criação de uma democracia pró-ocidental mostraram-se tão vazios como utópicos: Saddam acabaria enforcado, e nos escombros do seu império surgiu um terreno fértil para a raiva, o sectarismo e o terrorismo da Al-Qaeda e do Daesh. O mundo não ficou melhor, antes pelo contrário.
O Médio Oriente é, outra vez, palco de um destes momentos de “gravidade histórica”. E, mais uma vez, o mundo ocidental padece do mesmo lapso na análise, secundarizando o que devia ser o ponto de chegada: o que se passará depois da invasão de Gaza e de concretizada a “decapitação” do Hamas? Israel, toldado pelo trauma do brutal assassínio de 1400 pessoas e da tomada de mais de 200 reféns, busca segurança na eliminação da organização. Se tal é legítimo e assenta na ideia da legítima defesa prevista pelas leis da guerra, a forma como o fará é decisiva para o dia seguinte ‒ os atos que mais tarde a História julgará, e antes disso, judeus e palestinianos sentirão na pele.