Entre os animais invertebrados, os polvos são aqueles que possuem um maior rácio entre o tamanho do cérebro e o tamanho do corpo. São considerados animais altamente inteligentes, no entanto, ao contrário de outros animais com grandes cérebros, estes cefalópodes têm uma vida invulgarmente curta. Varia naturalmente com a espécie, mas estima-se que o polvo comum viva entre 1 e 2 anos. O que explica este fenómeno é que, após acasalar, os polvos entram numa espécie de processo de autodestruição que conduz à sua morte. Exatamente. Após o acasalamento, quer os machos, quer as fêmeas, entram em jejum e começam um declínio que leva à sua morte. Mais do que isso, estes animais automutilam-se, danificando a sua pele ao esfregar-se em pedras ou no fundo do mar, usando as suas ventosas para criar lesões ou até mordendo e comendo as pontas dos seus tentáculos. Há algumas perguntas que podem surgir neste contexto, mas diria que as principais serão os comuns ‘Porquê?’ e ‘Como?’.
A vida e reprodução destes animais é regulada por uma glândula designada por glândula ótica, que funciona mais ou menos como a hipófise do ser humano. O que se observou é que, se esta glândula for retirada após o acasalamento, os polvos-fêmea abandonam os seus ovos, voltam a alimentar-se e podem inclusive acasalar de novo, vivendo cerca de 4 meses mais do que o suposto. Criou-se então a hipótese de que esta glândula teria um papel preponderante no sistema de autodestruição que conduz à sua morte. Nesse sentido, foram analisadas as substâncias que se formam após o acasalamento, que não se formavam antes e que podem conduzir a este declínio.
Penso que todos conhecerão o colesterol, quanto mais não seja de o verem como um parâmetro em análises de rotina. O colesterol é essencial ao funcionamento do ser humano, sendo importante por exemplo nas membranas que rodeiam as nossas células ou na produção de várias hormonas. Também no polvo, o colesterol é importante. Tão importante que este processo de autodestruição se dá alterando o metabolismo do colesterol. Com esta alteração, formam-se em excesso duas substâncias: o 7-DHC e o 7-HCEO. Enquanto que o 7-HCEO é mais específico dos polvos e não dispomos ainda de informação suficiente para perceber o seu impacto na sobrevivência do animal, o 7-DHC é conhecido da comunidade científica. Há uma síndrome no ser humano que se caracteriza por níveis elevados de 7-DHC (a síndrome de Smith-Lemli-Opitz), na qual os indivíduos apresentam várias alterações comportamentais e de desenvolvimento. Entre as alterações comportamentais, podem destacar-se comportamentos agressivos e de automutilação, algo que observamos também nos polvos.
Estamos habituados a ver o colesterol como algo a controlar nos resultados de análises ao sangue, mas esta substância é tão importante que pode estar na origem de todo o processo que conduz à morte dos polvos. Há ainda muito por descobrir relativamente a este assunto, mas sabemos hoje um pouco mais sobre o processo de autodestruição destes animais. Apesar de muito inteligentes, quase que podemos dizer que os polvos vivem para acasalar. Tudo o que vem depois disso é ciência por continuar a descobrir.
Baseado em: https://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(22)00661-3
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