Viver em democracia significa dar ao cidadão o poder de escolher os caminhos da sociedade. Seja numa forma mais direta (como nos referendos), seja numa forma mais delegada (como na eleição de deputados que nos representam), democracia implica dar voz a cada indivíduo nas decisões mais importantes para a vida em coletivo.
Os países ocidentais foram consolidando esta forma de governo ao longo do séc. XX, enquanto outros países têm dado passos tímidos nessa direção. Porém, o fim do séc. XX e o início do séc. XXI trouxe algumas perplexidades e incertezas. Alguns países, muito populosos, não têm evoluído em direção à democracia. Outros, com democracias supostamente consolidadas, têm permitido oscilações preocupantes. O trumpismo e todos os seus franchisings à escala mundial têm desafiado a robustez democrática do Ocidente. Uma conjugação de projeção mediática, discurso encantatório e bolsas de ressentimento têm alimentado a subida ao poder de movimentos anti-democráticos em países insuspeitos. Embora a retórica passe muito pelo denúncia de uma suposta corrupção sistémica, esse discurso nunca ressoaria se algo não estivesse a funcionar.
De facto, há uma regressão democrática: hoje, a vida de uma nação, e dos seus cidadãos, depende muito mais do que se passa fora do seu controlo do que das decisões dos políticos eleitos. Um exemplo claro é o peso que os rankings têm na vida das pessoas e das organizações. Os ratings de crédito que as agências de notação financeira atribuem a um país são muito mais relevantes para a vida dessa nação do que o partido que é eleito para a governar. Os certificados de qualidade que uma organização consegue obter são muito mais relevantes para a sua sobrevivência do que a ideologia partidária no poder. O resultado nos key performance indicators de um trabalhador é muito mais importantes para a sua vida profissional do que o ser o político A ou B o primeiro-ministro. Ou seja, a vida das nações, das organizações e dos indivíduos está tão condicionada por regras e critérios globais, decididos não democraticamente, mas que são decisivos na competição de mercado internacional, que resta pouco de democracia. E quando as pessoas perdem no jogo do mercado mundial, culpam os políticos nacionais que estão no poder, e não os verdadeiros responsáveis. Uma mudança a esse nível só será possível com uma transformação das regras da globalização, tirando poder às organizações supranacionais e dando mais poder às nações, ou introduzindo um verdadeiro controlo democrático nos organismos supranacionais. Enquanto tal não for feito, não viveremos em verdadeiras democracias, apenas num sistema em que o ranking é quem mais ordena.
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