Numa economia de mercado há a crença de que as empresas, ao procurarem maximizar os seus lucros, acabam, forçadas pela concorrência, por ir ao encontro da satisfação das necessidades dos clientes (a tão falada dinâmica da mão invisível). Nesse cenário utópico, o bem-estar da sociedade acabava por ser garantido através das forças do mercado, sem grande intervenção externa (nomeadamente do Estado).
Acontece que a economia real está muito longe desse mundo idílico de concorrência perfeita. Pelo contrário, abundam a concentração e o poder de mercado (com oligopólios e monopólios), as assimetrias de informação, as externalidades e os bens públicos.
Por causa disso, em todas as sociedades desenvolvidas se atua sobre os mercados, seja através das instituições de regulação e supervisão, da lei, ou através da produção de bens e serviços diretamente pelo Estado.
Mais recentemente, até empresas do setor privado começaram a reconhecer a dimensão das falhas dos mecanismos de mercado e incorporaram nos seus objetivos e missão a consideração de todas as partes envolvidas (os stakeholders), assumindo que não podem guiar a sua acção apenas para a maximização dos lucros dos accionistas. O modelo de gestão ESG (Environmental, Social, and Governance) reconhece a responsabilidade social direta das empresas para com o ambiente, para com a sociedade e para com os accionistas e trabalhadores, pois que a lógica da mão invisível já deu provas de falhar em muitas dessas dimensões. Muitas empresas já usam mesmo o conceito da felicidade corporativa como um objetivo central da gestão.
Se já temos bons exemplos disto no setor privado, o setor público tem uma responsabilidade acrescida. Em particular, o conjunto das empresas públicas só tem razão de existir se estiver diretamente ao serviço do bem-estar da sociedade. As empresas públicas justificam-se na medida em que certos bens e serviços relevantes não são bem prestados pelo setor privado, e têm que ser garantidos para além da sua capacidade de gerar lucros. Aliás, esse é um dos critérios para a produção pública: um bem ou serviço que, pelo mercado, geraria prejuízo, mas que tem importância suficiente para que a sociedade o queira produzir (é o caso dos hospitais públicos).
As recentes polémicas com a TAP ou com a CP ilustram bem a complexidade deste tema. Se, por um lado, o Governo tem relevado os recentes lucros destas empresas públicas, temos que questionar se deve ser esse o seu objetivo. Verdadeiramente, não. O que se espera de uma empresa pública é que cumpra a sua missão de serviço público, mesmo que com prejuízo financeiro. E é aqui que a questão da felicidade pública deve entrar em força. É que não sendo o lucro contabilístico o critério a maximizar, a felicidade social já serve como desígnio último para uma empresa pública, o que nos obriga a medir o impacto que essa entidade tem na felicidade de todas as partes envolvidas. Temos que medir o impacto no emprego, na economia, na retenção de talento e na criação de conhecimento, na saúde, na mobilidade, na coesão territorial, na coesão e justiça social, enfim, na felicidade pública. Uma empresa pública não gerar lucro contabilístico não é, necessariamente, um problema, desde que consigamos demonstrar que o prejuízo financeiro é mais do que compensado pelos benefícios para toda a sociedade, para a felicidade coletiva. E, ao contrário do que alguns possam pensar, já existem muitas ferramentas de medição que nos permitem efetuar estes cálculos, avaliando estas empresas através da contabilidade que interessa: estão, ou não, a gerar lucros em felicidade pública? No caso da TAP, podemos fazer esta análise: ou achamos que a empresa não cumpre serviço público, na medida em que o setor privado conseguirá suprir as necessidades de transporte aéreo de Portugal, caso em que deve ser totalmente privatizada (mas nunca ao desbarato); ou achamos que há dimensões de serviço público na empresa, caso em que ela deve ser avaliada, não pelos lucros ou prejuízos, mas pela contabilidade de benefícios e custos totais, pelo seu saldo na felicidade pública. E se esse saldo for negativo, tem que haver mudanças na gestão e no funcionamento da empresa, para que esse saldo fique positivo.
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