O coração funciona como um pequeno cérebro autónomo, desde os anos 90 que está provado que assim é. O órgão que nos faz estar vivos possui cerca de 40 mil neurónios que criam entre si uma rede, com memória e capacidade de pensar. Isto que dizer que tudo aquilo que vivenciamos é processado não apenas na cabeça, mas também no coração, e também explica porque é que a razão e a terapia não conseguem resolver todas as questões internas. Citando o antigo poeta Rumi, para lá do bem e do mal, existe um lugar, encontramo-nos lá. Talvez Rumi estivesse a falar de inteligência emocional quando escreveu estas linhas. O cérebro humano está dividido em duas partes, é órgão altamente polarizado. É a razão e o bom senso que nos fazem distinguir o bem do mal, o certo do errado. Mas o coração pensa enquanto sente. Pensar com o coração e sentir com a cabeça é talvez dos maiores desafios que o ser humano pode enfrentar. A ideia é inverter o mecanismo para cada órgão, isto se acreditarmos que de facto o coração tem capacidade de pensar.
Quando abrandamos a respiração, o coração começa a bater mais devagar. Tal ato transmite uma sensação de segurança, baixando os níveis de cortisol e elevando dos de serotonina e de dopamina. E quando o coração se sente seguro, avança sem medo. Contigo corro riscos porque me sinto segura, diz a personagem de um romance. A segurança á base do bem-estar e meio caminho andando para a felicidade. Quando nos sentimos seguros, estamos preparados para dar um salto de fé. Contudo, o eterno conflito que existe entre a cabeça e o coração nem sempre chega a bom porto. Vivemos numa cultura da primazia da razão desde Descartes, e, ao contrário daquilo que parece, pouco mudou nos últimos 300 anos. A liberdade de escolha de estilo de vida e os novos modelos comportamentais ainda não criaram um impacto suficientemente grande na sociedade para que as pessoas oiçam o coração com confiança. Ainda tentamos refrear o coração em favor da razão. As pessoas muito românticas ou muito sentimentais são vistas como frágeis, ou mesmo fracas. As dores do coração partido ou magoado são pudicamente escondidas, como se tal ferida não pudesse ficar em nenhuma fotografia. Quem as sofre, lambe as ferias em silêncio, no recolhimento da caverna, até sentir a recuperação chegar. É como se fossemos obrigados a pagar um imposto extra, uma espécie de IMI do coração. Sentimo-nos vagamente idiotas, como se nos tivessem colocado uma orelhas de burro na cabeça. Ou então, não precisamos de ninguém para nos inflingir tais penas ou castigos, nós próprios nos encarregamos de encetar processo diários e silenciosos de autoflagelação. Em vez de sermos o nosso melhor amigo, somos o nosso maior carrasco. Outra possibilidade, perante o desentendimento entre o coração e a cabeça, é simplesmente desligar, ignorar, fingir que não se sente e esperar que o tempo e a vida resolvam aquilo que não conseguimos.
O que fazer então, quando o coração sente uma coisa e a cabeça não concorda, não aprova, não aceita e não admite? Não acredito em curas baseadas em receitas, mas no efeito que cada receita poder ter em cada pessoa. Há pessoas que conseguem dar primazia à razão, enquanto outras, mais sentimentais, precisam de outros recursos, aquelas que se apaziguam com o caminho da espiritualidade, enquanto outras preferem trabalhar 12 horas por dia ou fazer voluntariado. Talvez o mais importante seja conhecermo-nos o suficiente para conseguirmos desviar o foco do conflito para algo que nos realize, mesmo que seja fazer crochet ou bolos de laranja, arrumar gavetas ou arranjar flores. O mais importante é ter paciência, não esperar mudanças milagrosas e todos os dias avançar um bocadinho. E nos dias em que for impossível avançar, pelo menos não recuar. Ficar quieto até a tempestade interior acalmar.
É mais fácil ter paciência com os outros do que com as nossas idiossincrasias, por isso é sempre saudável e apaziguador pensar que todos sofremos dos mesmo males, todos temos dias nos quais somos vencidos pelo cansaço e pelas circunstâncias, todos nos vamos abaixo de vez em quando, uns de forma mais ruidosa e outros de forma silenciosas. O importante é abrandar a respiração para dar algum descanso ao coração, não o seguir cegamente nem o contrariar tiranicamente. O importante é aceitar as escolhas, os erros, os passos em falso, o peso da solidão e o medo do desconhecido, enquanto procuramos paz e segurança em pequenos rituais quotidianos.
Em tempos de pandemia, todos precisamos de poupar energia e recurso, externos e internos. Também podemos aproveitar a crise pandémica para nos fortalecermos, como as plantas que crescem silenciosamente, quase sem darmos por isso. E um dia, as coisas mudam e a pouco e pouco, tudo começa de novo a bater certo.